A Deslocalização Do Piano
A esquerda quer editar uma lei que proíba que as empresas se instalem onde produzem melhor e onde ganhem mais dinheiro. Compreendo. As empresas e a esquerda. As empresas, porque na economia manda a aritmética. A esquerda, porque cada vez que uma empresa vai embora, apesar de ganhar capital de queixa social, perde delegados sindicais, comissões de trabalhadores e créditos de horas para a militância do protesto. Nunca se viu, não sei porquê, o desemprego ser um alfobre de sindicalistas.
Mas na cultura, certa esquerda age ao contrário. Deslocaliza. Parte. Emigra. Foge da Pátria. Os portugueses emigraram muito na década de sessenta e setenta do século passado. Para ganhar mais dinheiro, confessavam, então com simplicidade. Com o tempo, a emigração portuguesa tornou-se uma emigração de luxo. Hoje, emigram os cérebros, como se diz na tecnocracilândia e os futebolistas, não querendo com isto dizer que estes não têm cérebros. Mas fazem-no pela mesma razão que a primeira geração de emigrantes. Para ganharem mais dinheiro.
Na cultura, emigrou há uns anos Saramago. Suspeito que por amor e por panache. O amor não se discute. Quanto ao panache, tem um certo chique morar numa ilha vulcânica e falar castelhano. Depois dos saneamentos gonçalvistas de 1975 que fez como comissário político do PCP no Diário de Notícias, achou a Pátria curta para tanto talento e foi-se. Neste caso julgo que a Pátria não foi excessivamente lesada. Ademais, o homem vem cá dizer uns disparates de vez em quando, para não perder o número de contribuinte.
Agora, emigrou a pianista Maria João Pires. Mas desta vez, o facto merece análise mais profunda. A senhora, assim uma espécie de Saramago do piano (embora, é justo reconhecer, seja muito melhor no piano do que Saramago nas letras), denunciou ser “vítima de uma verdadeira tortura”. E foi-se. Para fugir aos “malefícios de Portugal”, seguiu para o Brasil, onde como é sabido não há corrupção de esquerda, insegurança de esquerda e favelas de esquerda. Há até fome de esquerda, atento o fracasso do plano Lula para a fome zero. O Brasil, pois, um país que não tortura ninguém. Ah, é verdade, e também não há Morangos com Açúcar, só há telenovelas.
Porquê torturada? Não disse. E aqui, abre campo ao galope das suspeitas. A pianista criou um louvável projecto cultural e musical em Belgais, no interior esquecido e ostracizado. Óptimo. Estudar e exercitar as artes é bom em qualquer lado, mas em Castelo Branco é certamente, além de original, necessário.
Pediu ajudas. Compreendo. E teve-as. Teve o apoio dos ministérios da Educação e da Cultura, da Câmara Municipal de Castelo Branco, de um banco espanhol, a Caja Duero, da Fundação Avina e da Yamaha Pianos. Só o ministério da Educação, a título de financiamento dessa experiência pedagógica e educativa “alternativa”, desembolsou 1,8 milhões de euros, pagos em 24 prestações trimestrais. O ministério da Cultura foi mais contido: há três anos forneceu 65 mil euros, através de dois institutos públicos da respectiva área, mas como as despesas não foram justificadas (maçadas!), cortou-se no bodo.
Ninguém percebe, assim, em que consistiu a tortura. O que faz com que a atitude da pianista sobressaia incompreensível e, como tal, ou gratuita, o que uma artista do seu calibre não fazia antever, ou despeitada e vingativa, o que é feio. O que quereria Maria João? Rubrica específica e vitalícia com o seu nome no Orçamento? Não haveria piano que aguentasse, porque as teclas quando nascem são para todos…
Mas na cultura, certa esquerda age ao contrário. Deslocaliza. Parte. Emigra. Foge da Pátria. Os portugueses emigraram muito na década de sessenta e setenta do século passado. Para ganhar mais dinheiro, confessavam, então com simplicidade. Com o tempo, a emigração portuguesa tornou-se uma emigração de luxo. Hoje, emigram os cérebros, como se diz na tecnocracilândia e os futebolistas, não querendo com isto dizer que estes não têm cérebros. Mas fazem-no pela mesma razão que a primeira geração de emigrantes. Para ganharem mais dinheiro.
Na cultura, emigrou há uns anos Saramago. Suspeito que por amor e por panache. O amor não se discute. Quanto ao panache, tem um certo chique morar numa ilha vulcânica e falar castelhano. Depois dos saneamentos gonçalvistas de 1975 que fez como comissário político do PCP no Diário de Notícias, achou a Pátria curta para tanto talento e foi-se. Neste caso julgo que a Pátria não foi excessivamente lesada. Ademais, o homem vem cá dizer uns disparates de vez em quando, para não perder o número de contribuinte.
Agora, emigrou a pianista Maria João Pires. Mas desta vez, o facto merece análise mais profunda. A senhora, assim uma espécie de Saramago do piano (embora, é justo reconhecer, seja muito melhor no piano do que Saramago nas letras), denunciou ser “vítima de uma verdadeira tortura”. E foi-se. Para fugir aos “malefícios de Portugal”, seguiu para o Brasil, onde como é sabido não há corrupção de esquerda, insegurança de esquerda e favelas de esquerda. Há até fome de esquerda, atento o fracasso do plano Lula para a fome zero. O Brasil, pois, um país que não tortura ninguém. Ah, é verdade, e também não há Morangos com Açúcar, só há telenovelas.
Porquê torturada? Não disse. E aqui, abre campo ao galope das suspeitas. A pianista criou um louvável projecto cultural e musical em Belgais, no interior esquecido e ostracizado. Óptimo. Estudar e exercitar as artes é bom em qualquer lado, mas em Castelo Branco é certamente, além de original, necessário.
Pediu ajudas. Compreendo. E teve-as. Teve o apoio dos ministérios da Educação e da Cultura, da Câmara Municipal de Castelo Branco, de um banco espanhol, a Caja Duero, da Fundação Avina e da Yamaha Pianos. Só o ministério da Educação, a título de financiamento dessa experiência pedagógica e educativa “alternativa”, desembolsou 1,8 milhões de euros, pagos em 24 prestações trimestrais. O ministério da Cultura foi mais contido: há três anos forneceu 65 mil euros, através de dois institutos públicos da respectiva área, mas como as despesas não foram justificadas (maçadas!), cortou-se no bodo.
Ninguém percebe, assim, em que consistiu a tortura. O que faz com que a atitude da pianista sobressaia incompreensível e, como tal, ou gratuita, o que uma artista do seu calibre não fazia antever, ou despeitada e vingativa, o que é feio. O que quereria Maria João? Rubrica específica e vitalícia com o seu nome no Orçamento? Não haveria piano que aguentasse, porque as teclas quando nascem são para todos…
Jorge Ferreira
In Nova vaga, nº 5
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