…Em Portugal, quer a tradição de Direita como a de Esquerda são seguramente anti-liberais …
Do meu contacto, através da imprensa escrita e falada, a ideia com que fico, é que não “aparece” uma clara linha divisória entre o que é a Direita Conservadora Liberal e as outras forças políticas, inclusive a Social-Democracia e a Direita não-Liberal. Em geral, a própria Esquerda e a Social-Democracia olham a Direita Conservadora Liberal como se de uma “qualquer” Direita se tratasse.
Em Portugal, quer a tradição de Direita como a de Esquerda são seguramente anti-liberais; idêntica, em geral, à tradição da Europa Continental, com excepção dos países do norte da Europa.
Os países do norte da Europa possuem uma tradição cultural muito particular; sustentada numa forte tradição cooperativa, numa tradição de responsabilidade individual muito forte, na qual predomina um sistema educativo centrado no educando (e não no educador) e numa monarquia “fraca” (não centralizadora) face à sociedade civil. Tudo isso acabou por dar origem, em meados do século XX, a uma estrutura e a uma praxis político-social que poderíamos caracterizar de próxima de uma esquerda de tipo liberal. O Estado é muito mais a representação de uma sociedade em cujo seio predominam relações sociais de cooperação do que a representação de algum tipo de corporação (política, social ou económica) que chama a si a governação da sociedade civil (dos “outros”), como parece surgir em outros países europeus. O Estado serve a sociedade civil e não ao contrário, e a forma como as elites políticas se assumem (sua remuneração e mordomias, seu comportamento social, etc.) revelam bem as diferenças com muitas das elites políticas europeias (nomeadamente, de como estas tratam o erário público).
O anti-liberalismo impregna o pensamento político e a praxis dos europeus, com a excepção dos anglo-saxónicos e dos povos do norte da Europa.
Por exemplo, embora só tenha tido acesso ao que veio a público nos órgãos de comunicação, o recente “Compromisso Portugal” revela muito mais sobre os princípios e teses dessa Direita Anti-Liberal do que sobre os princípios da Direita Conservadora Liberal; embora muitos deles possam ser abraçados por esta.
Também, o recente debate promovido pelo Dr. Sampaio sobre a necessidade de uma maior participação dos portugueses na sociedade, conseguiu não tocar nunca nos motivos que levam os portugueses a ser (conduzir-se como) cidadãos passivos. A tradição anti-liberal de estado e da sociedade portuguesa é tão intrínseca ao “nosso” pensamento e à “nossa” maneira de ser, que se fica incapaz de “ver” que é o próprio enquadramento conceptual e a forma de pensar um dado problema que está na sua própria origem.
A afirmação da Direita Conservadora Liberal passa pela definição (“criação”) de uma linha divisória com os “outros” e, em particular, com a Direita não-liberal (já que a Esquerda, em Portugal, sempre foi anti-liberal) – essa linha de demarcação, face aos “outros”, parece-me poder ser mais claramente definida na dicotomia entre liberalismo e anti-liberalismo, entre cidadania e anti ou não cidadania, do que na dicotomia existente entre Direita e Esquerda.
É no âmbito da clarificação do que separa a Direita Conservadora Liberal das “outras” perspectivas políticas de Direita e de Esquerda que se inscreve este Contributo. Ele limita-se a delinear algumas linhas de reflexão e de debate, quer relativamente a um possível programa de intervenção da Direita Conservadora Liberal quer quanto à prioridade dos temas a debater.
Sobre a Estratégia
Para o estabelecimento de uma estratégia de intervenção política, é essencial definir os objectivos a atingir e o tempo para os alcançar.
Quanto aos objectivos, parece-me que a Direita Conservadora Liberal, em primeiro lugar, pretende que o País se aproxime e se assuma política, social e culturalmente naquilo que constitui o quadro societário que a Direita Conservadora Liberal defende como o melhor para a sociedade portuguesa. Em segundo lugar, pretende poder assumir um papel importante nesse processo de transformação social, inclusive através da sua participação directa na governação do País.
Quanto ao tempo, parece-me que a Direita Conservadora Liberal não tem quaisquer hipóteses de ascender à governação do País ou dela participar, durante ainda vários mandatos.
Não creio mesmo que seja de seu interesse que isso ocorra, se não puder fazer passar um programa consentâneo com as suas Teses.
Ou seja, o desenvolvimento de acções políticas para chamar atenção sobre si, sem que estas suportem “continuidade”, acaba por representar um esforço algo inconsequente, e até contra producente (se, por exemplo, de algum modo se “colar” a si uma imagem, e até um “rótulo”, deformador do que realmente é a Direita Conservadora Liberal).
Parece-me que a Direita Conservadora Liberal tem necessidade de criar um espaço social próprio e o seu crescimento (e influência) efectuar-se-á à medida e conforme esse espaço social for também crescendo.
Segundo a minha opinião o primeiro grande objectivo da Direita Conservadora Liberal deveria ser criar um espaço social que a oiça e que repercuta as suas ideias a um espaço mais vasto. Essa “primeira” apresentação deveria dirigir-se a quem a “pense”, considerando que há concepções confusas, e até incorrectas, sobre o que é a Direita Conservadora Liberal e considerando que esta transporta em si “ideias de ruptura” face ao que é a tradição política portuguesa.
As elites intelectuais deveriam constituir a primeira prioridade para essa apresentação. Como se trata de elites e de intelectuais, eles mesmo se encarregarão de “ajudar” a Direita Conservadora Liberal na criação de um espaço social próprio de “massa” aonde esta poderá intervir mais tarde; mas mais …, com as suas questões, ajudarão a própria Direita Conservadora Liberal a aprofundar o seu próprio pensamento e a ajustar as suas Teses aos particularismos e especificidades da realidade social nacional.
Em segundo lugar, parece-me que essas “primeiras” Teses deveriam incidir preferencialmente sobre o que distingue claramente a Direita Conservadora Liberal de “todos” os outros partidos portugueses.
Há poucas dúvidas, quanto à distinção entre a Direita e a Esquerda. Mas o mesmo não ocorre entre a Direita Conservadora Liberal e a Direita não-liberal. Como acima afirmámos, a tradição portuguesa de Direita é a da Direita Não Liberal, pelo que quando os portugueses ouvem falar de “Direita” (tenha ela associado ou não, no seu nome, algum “popular”), o que “vêem” é essa direita tradicional: uma Direita Anti-Liberal.
Ora a Direita Conservadora Liberal distingue-se precisamente da direita tradicional portuguesa porque é Liberal (já que a direita anti-liberal portuguesa também é conservadora). É na compreensão e divulgação do que significa Liberal e das suas implicações sobre a praxis social e política que a Direita Conservadora Liberal se pode afirmar, quer como uma concepção política inovadora (em Portugal), quer como um novo Partido.
Em terceiro lugar, parece-me que a “compreensão” de quaisquer Teses de tipo político-social dificilmente se pode estruturar, numa primeira fase, sobre um plano de pensamento abstracto, a não ser que se dirija essencialmente a um mundo académico, de especialistas, o que não é inteiramente o caso.
Com isso pretendo dizer que as Teses a apresentar deveriam estabelecer-se em confronto directo com a realidade social portuguesa concreta (a que é o resultado concreto de uma governação anti-liberal, mais ou menos próxima da Esquerda). A partir daí, poder-se-ia deslocar para um plano de abstracção maior, em conformidade com as “perguntas”, que inevitavelmente irão surgir – o meio intelectual, aonde o debate se iniciará, irá com certeza “solicitar” uma conceptualização mais elaborada do que o simples confronto com a praxis.
A comparação com o comunismo, embora importante, parece-me que hoje “toca” já pouco aos portugueses; a nossa realidade social, resultado de governações marcadamente anti-liberais, constitui um referencial bastante mais objectivo, concreto e de fácil entendimento, para a definição do que é a Direita Conservadora Liberal. Note-se que sob o ponto de vista da Direita Conservadora Liberal (e, diga-se, para os portugueses) não há diferença entre a governação do PS e a do PSD.
Deste modo, marca-se também a linha que separa as suas Teses e a política “real” desenvolvida pelos “partidos de governo” em Portugal (de tipo centrão, inspirados na social democracia e na esquerda democrática, ambas marcadamente anti-liberais).
Em quarto lugar, a Direita Conservadora Liberal deveria reservar um espaço especial de diálogo com as Religiões, em particular com a Igreja Católica, uma vez que há pontos de confluência significativos, e as Religiões representam e simbolizam Valores Éticos e Praxis Sociais que, ao longo dos séculos, foram “formatando” a nossa “cultura ocidental” e dando coesão social às nossas sociedades.
Em quinto lugar, parece-me que as “primeiras” Teses deveriam focar-se naquilo que são as divergências de princípios entre a Direita Conservadora Liberal e as políticas “reais” dos “partidos de governo”.
Sem fazer entender o espírito da Direita Conservadora Liberal pode tornar-se perigoso o que “se apanha” aqui ou acolá sobre a sua posição relativamente a questões menores (embora importantes) da sociedade portuguesa – por exemplo, não me parece eficaz que a Direita Conservadora Liberal deva “correr” atrás de “casos de minoria”, como caracteristicamente faz o Bloco de Esquerda e o CDS e, muitas vezes, os restantes partidos.
Finalmente, e em sexto lugar, a Direita Conservadora Liberal poderia constituir-se como centro de promoção e de incentivo de iniciativas civis (políticas, sociais e económicas), que constituam práticas que ampliem a capacidade de exercício da cidadania em Portugal e sejam exemplo de intervenção social liberal.
Sobre o Programa
Dado que é o anti-liberalismo que caracteriza a Direita e a Esquerda tradicionais e o centrão político português, parece-me que as primeiras Teses a desenvolver e a debater, pela Direita Conservadora Liberal, deveriam circunscrever-se essencialmente àquilo que distingue o liberalismo do anti-liberalismo.
Como a diferença entre liberalismo e anti-liberalismo se situa na maior ou menor capacidade de exercício da cidadania, ou mesmo na sua ausência ou bloqueio, as Teses primeiras deveriam centrar-se em torno da cidadania e da não-cidadania, e em torno da forma como o estado e a actual organização societária portuguesa são fonte de bloqueio à cidadania.
Considerando, como Tese primeira, o enfoque na Cidadania, os temas a abordar deveriam desenvolver-se em torno da concepção do poder do estado, do estado e administração pública, dos impostos e do exercício da cidadania em si, uma vez que é aí que se estrutura politicamente a possibilidade de exercício da Cidadania numa Nação.
Dentro do quadro acima referido, parece-me que as “primeiras” Teses a desenvolver e a apresentar, deveriam centrar-se sobre as “causas” dos principais problemas do País que, claramente, constituem formas de organização social opostas às Teses defendidas pela Direita Conservadora Liberal, ou seja constituem fonte de bloqueio ao exercício da cidadania.
Como acima já refiro, não procurarei ser exaustivo (nem o conseguiria ser), mas apenas apontar “linhas temáticas” de reflexão e de debate (divulgação).
A – A organização do estado
1º- A primeira grande diferença (e fonte de clivagem) entre uma concepção liberal e anti-liberal (quer à Direita como à Esquerda) é a inexistência de cidadania em Portugal, provocada por uma organização do poder de estado que bloqueia essa cidadania à maioria e a torna quase exclusiva de quem “vive” no estado, com e sob o estado.
Esse carácter discricionário do direito de cidadania, e a ineficiência e “abusos” daí resultantes, são mais que muitos para poderem fundamentar e justificar a Tese fundamental da Direita Conservadora Liberal: o “direito à cidadania”.
Eventualmente, isso obrigará a “reintroduzir” o debate em Portugal sobre o que é cidadania.
Em Portugal está muito divulgado um conceito “errado” de cidadania, um conceito “ajustado”, convenientemente, ao carácter anti-liberal da sociedade existente, já que se restringe a alguns direitos passivos de cidadania (como a liberdade de imprensa e o “direito ao protesto”) e, se confunde, frequentemente, cidadania com boa educação, civismo, solidariedade social, igualdade, obediência passiva ao estado, etc.
Habitualmente, eu respondo à pergunta “o que é cidadania?” (que me é colocada frequentemente) começando por definir o conceito do que lhe é oposto; ou seja, o que significa a “não-cidadania”.
Essa resposta dá, pela negativa a resposta ao que é a cidadania e claramente se denota que o que, em Portugal, se designa, habitualmente, de cidadania são algumas, poucas, consequências possíveis do exercício do direito de cidadania, mas não são, em si, cidadania.
O carácter anti-cidadania e, como tal, anti-liberal do estado português, estão bem patenteados na própria forma de organização central do estado e das autarquias, bem como na concepção e na forma de intervenção da administração pública portuguesa.
2º- Portugal possui um Poder de Estado estruturado num Legislativo e num Executivo cuja promiscuidade anulou a separação efectiva entre esses dois poderes e, consequentemente, anulou a subordinação legislativa do Executivo ao Legislativo e o controlo deste sobre aquele. O Executivo Português é um Executivo “não limitado”, já que o Chefe do Executivo é realmente, na prática, o Chefe do Legislativo.
A replicação desta concepção a nível local e regional, significa que o estado, no seu todo, possui um poder ilimitado e incontrolável – como o estado não é um conceito abstracto mas sim concreto, porque assumido por “pessoas organizadas”, então o poder do estado acaba por cair de forma ilimitada nas mãos de “alguns” (objectivamente, de quem controla os partidos).
Isso não significa que não haja em todo o sistema alguma democraticidade, contudo ela é manifestamente insuficiente e perigosa, uma vez que os mecanismos internos de equilíbrio de poder não conseguem operar.
3º- A forma de votação constitui outro tipo de bloqueio ao exercício da cidadania.
A votação em listas eleitorais, impedindo uma relação directa entre o votante e o votado, impede o desenvolvimento do sentido de responsabilidade e de representação entre o votado e o votante e impede-o de exigir responsabilidades ao votado (“seu” representante). De facto, a única responsabilidade que se desenvolve, no sistema eleitoral português, é entre o votado e o chefe político que o integrou na respectiva lista eleitoral; é a este que tem de prestar contas e não ao “seu” votante (a quem se diz “representar”).
A quase impossibilidade legal de apresentação de independentes às eleições, constitui outro grave constrangimento ao exercício de uma cidadania activa e centra nos partidos o único caminho de acesso ao poder político (ou seja, à representatividade dos cidadãos no estado).
4º- De facto, o sistema de votação existente acaba por não ser ainda menos democrático, porque os cidadãos estão amarrados à vontade prévia dos chefes partidários e não a um escrutínio prévio, entre cada cidadão e os seus eventuais representantes. Como a escolha dos propostos às eleições se faz exclusivamente sobre essa vontade prévia, realmente a democraticidade conseguida pela ulterior decisão dos cidadãos, em votação universal, acaba por ser profundamente condicionada.
Realmente, a democraticidade de um tal sistema ainda é obscurecida pelo facto de ser duvidosa a própria democracia no seio dos partidos.
A forma de organização interna dos partidos deveria ser objecto de debate público.
Por exemplo, não me parece que a forma segundo a qual um partido se organiza internamente devesse ser inteiramente da livre iniciativa do respectivo partido (por exemplo, se as votações são secretas ou com o braço no ar), uma vez que o processo eleitoral nacional se “inicia” no seio de cada partido.
A dúvida que acabo de proferir relativa à existência dessa “liberdade” no seio de cada partido não é anti-liberal, como pode parecer à primeira vista. A forma como os partidos funcionam internamente é de interesse público, num sistema eleitoral como o português, pois marca decisivamente o carácter mais ou menos democrático do processo que conduz ao Poder do Estado.
O que pretendo salientar é que o exercício do poder público (do poder do estado) tem o seu “início” e a sua “organização” numa esfera que se constitui hoje como “privada e corporativa”; o “início” da definição de quem governará, faz-se no seio dos partidos, em condições que estão muito longe dos olhares e da intervenção pública. Isso não teria significado de maior se, depois, os cidadãos pudessem “dar a volta” ao que foi decidido corporativamente no seio dos partidos; mas, não o podem fazer. Se as alternativas de decisão dos cidadãos são previamente “cozinhada” no seio dos partidos, de facto a governação de Portugal está aí a ser “cozinhada”, sem intervenção e controlo dos cidadãos. Ou seja, em conclusão, a organização interna dos partidos e os procedimentos aí adoptados não deveriam estar ao exclusivo critério dos seus “sócios”, na medida em que é no seu seio que se delineia o Poder Público – a única força coerciva legitimada para “obrigar” os portugueses.
No limite, o sistema político português acaba por ser fortemente permissivo a poderosos grupos políticos e económicos, nacionais e estrangeiros (e, hoje, eles são numerosos e fortemente actuantes), que queiram “investir” na tomada de poder em Portugal, sem que os cidadãos possam fazer absolutamente nada contra isso. Não estou a “brincar”; o exercício do poder de estado é uma questão de segurança nacional e a forma como se ascende ao poder do estado não lhe é, nem nos pode ser, indiferente.
Se associarmos a forma de organização do estado, que o torna um governo “não limitado”, com o tipo de votação existente e o (não) papel de controlo da Assembleia, facilmente se conclui que Portugal não é exemplo de um país democrático (a monarquia inglesa acaba por ser mais republicana que a “república” portuguesa).
Este carácter anti-liberal e anti-cidadania do estado português não se alterou nada depois do 25 de Abril, aliás piorou – o que alterou foi uma forma de solidariedade social que é hoje mais ampla, mas em grande parte porque sustentada na Europa.
B – A economia
A economia portuguesa reflecte naturalmente as consequências de um tal estado:
1º- O desenvolvimento económico do país caiu quase inteiramente nas mãos do estado.
A participação “autónoma” dos cidadãos portugueses no desenvolvimento económico nacional tornou-se marginal (o que não significa que não seja importante).
Como mais de 40% do PIB português caiu nas mãos do estado, pouco sobra para investimento fora do âmbito da sua iniciativa (grande parte do que sobra nas mãos da sociedade civil tem de ser para o consumo, necessário à preservação da vida e à “reprodução” das famílias portuguesa – as poupanças são inexistentes).
Tal situação “amarra” os cidadãos e as empresas privadas ao estado; ou “fazem” com ele, ou não “fazem” com ninguém.
Mas, não contente com isso, o estado português arrebanha para os seus projectos e políticas o que ficou por arrebanhar na sociedade civil. Para tal, “orienta” muito dessa riqueza nacional (sobrante) para os projectos que ele define como importantes à economia nacional ou para os interesses das corporações empresariais a si associados (através de incentivos como subvenções, isenções, facilidades administrativas, co-financiamentos público-privados, financiamentos a fundo perdido, reserva de mercado, etc.).
Por exemplo, a que título “de interesse público”, existe uma lei que isente fiscalmente os lucros de venda de património imobiliário se ele for re-aplicado de novo em património imobiliário?
Parece-me que, contra os interesses nacionais em iniciar um rápido deslocamento do investimento em imobiliária para outros tipos de investimentos mais re-produtivos, pretende-se “amarrar” os cidadãos aos interesses da Imobiliária.
Este é um bom exemplo de como os estados anti-liberais (corporativos) e fortemente interventores e manipuladores da economia nacional, podem cair rápida e facilmente na situação de se tornarem “marionetas” de interesses organizados, estranhos e até opostos do interesse nacional (mesmo se inconscientemente).
Mas tudo isso ainda não lhe bastou! Pouco escapa à esfera dessa administração! O estado português apetrechou-se de uma administração pública que regulamenta “tudo” ao pormenor e intervém inclusive na forma de gestão que o sector privado tem de realizar. O gestor, privado, acaba frequentemente por ser um “administrador para-público”, a quem cabe observar regras administrativas definidas pelo estado e gerir uma carteira de relações com vista a assegurar a “protecção” da sua empresa.
Aliás, a própria propriedade privada é tratada em Portugal com muito pouco respeito; não constitui realmente um absurdo, duvidar se a cultura portuguesa possui um conceito correcto de “propriedade privada” (o mercado do arrendamento é um bom exemplo disso).
A propriedade privada, em Portugal, é frequentemente vista como uma “braço” do estado (que este manipula a seu prazer) e não se constitui propriamente como um direito limitador do poder do estado (não confere direito a cidadania).
Em geral diz-se: “não é crime, o que não está na lei” – subentendo-se, então, que se “pode fazer tudo” desde que se não vá objectivamente contra a lei. Mas, em Portugal, “só se pode fazer o que está na lei”; e pior, só se pode fazer com o estado.
2º- Mesmo aonde poderia haver algum liberalismo económico, como no mercado, o estado intervém nele activamente e, de certo modo, destrói-o, enquanto tal.
Muitos sectores da actividade económica, são sectores condicionados, quer quanto ao acesso a estas actividades quer quanto aos preços aí praticados, assim como quanto à discricionariedade face aos impostos praticados, às isenções concedidas, etc. Poderemos pois concluir, sem “ofender” os economistas, que Portugal não possui verdadeiramente um mercado (eventualmente, poderíamos baptizar esse “mercado português” de “mercado de estado” ou de mercado condicionado).
Porém, à que registar que, quando o estado português podia manipular o valor do escudo a seu bem prazer, o mercado interno ainda era mais fictício.
3º- “Privatizar”, num tal quadro político e económico e num tal “mercado”, está claramente longe de significar aumento de capacidade de exercício de cidadania e de liberalismo.
Trata-se de uma “privatização” que direita anti-liberal adora e a esquerda não tem de ter grande medo (a não ser que se preocupe com a eficiência daí resultante, pois esta será possivelmente pior e, tais serviços, serão ainda mais incontroláveis na mão desses “privados” do que se directamente na mão do estado).
Nas situações em que a “privatização” mantém o estado como responsável pelos pagamentos (às ditas empresas privatizadas) dos serviços por estas prestados aos cidadãos, então estamos perante o que podemos designar de “brincar às privatizações e aos privados”. De facto, esses “privados” nunca se sentem responsáveis perante os cidadãos a quem prestam serviços; sentem-se responsáveis, sim, perante o estado, que é quem lhes paga e lhes assegura que nunca operarão realmente em condições de mercado.
Tal processo não dinamiza o mercado, enquanto espaço de livre iniciativa e de cidadania; apenas transfere a execução de uma responsabilidade, que continua pública, para uma entidade que passou a ser “privada”. Nem mesmo a eficiência económica e social aumentará, porque continuam a não estar “presentes” as condições que a impõem: um verdadeiro mercado.
4º- Em que medida este tipo de “privatizações” e de subvenções (a fundo perdido), suportadas com o dinheiro de todos os cidadãos portugueses (realmente, apenas pelos contribuintes líquidos), constituirão um procedimento de “boa” ética social ao transferir a riqueza criada por muitos portugueses para a mão de alguns?
5º- Neste quadro, só os “estrangeiros” (incluindo a reentrada de capitais nacionais “encobertos” como capital estrangeiro) actuam de forma relativamente liberal, em Portugal, porque se assumem como independentes do estado.
Mas num quadro social com é o português, “eles” rapidamente aprenderam que também podem fazer bom uso a seu favor desse estado: porque não colocar os portugueses a financiá-los e a assumirem o risco? Pois bem, não é raro que o investimento estrangeiro (em oposição aos dos nacionais) só se instale em Portugal com “facilidades” a que raramente têm acesso os investidores nacionais (inclusive, chegam a subordinar-se a legislação específica e não à legislação geral a que os nacionais têm de “obedecer”).
Ou seja, o estado anti-liberal português tem efectivamente procedido de tal forma que acaba (consciente ou inconscientemente) a “transferir” riqueza interna, nacional, para as mãos de investidores estrangeiros, sem garantias efectivas de sustentabilidade e de reprodução interna que compensem tal “sacrifício” nacional. Que haja incentivo ao investimento estrangeiro, entende-se; que esse incentivo seja diferente do que é dado aos nacionais não se entende, mas quando ainda são os nacionais a financiar o investimento estrangeiro a fundo perdido, não se entende em absoluto.
C – A administração
A questão que se coloca a nível da administração não é, por exemplo, torná-la mais eficiente (informatizá-la, por exemplo). Numa tal lógica de estado, tornar a administração mais eficiente, significa aumentar a anti-cidadania e o anti-liberalismo; significa tornar a incompetência mais eficaz e a depredação económica ainda mais rápida.
A administração tem sim de ser colocada ao serviço de outros fins e ser reformulada nesse sentido; tem de ser colocada ao serviço da cidadania e não contra ela.
De certo modo, os “partidos de governo” transformaram a administração pública na sua base eleitoral. Não os preocupa o aumento dos seus efectivos (porque são mais os que votam “ao centrão”), a não ser quando isso coloque em causa o próprio “sistema” que os sustenta – como, aliás, está agora a acontecer.
Contudo, a resposta a esta “crise” (absolutamente inevitável) tem-se norteado pela preservação dessa base de apoio social, pois as contenções orçamentais e uma ou outra medida no sentido do ligar o utilizador ao pagador, apenas têm como objectivo “salvar” o sistema e não corrigi-lo.
Por exemplo, o aumento dos custos de saúde, a pagar pelos cidadãos, representa realmente uma “dupla tributação”, pois os impostos mantêm-se (aliás elevaram-se) e passou-se a ter de pagar mais por serviços que antes eram “gratuitos”.
Os aumentos de impostos e de “mil e uma” taxas só tiveram como fim assegurar a manutenção do nível de despesas já alcançado pelo estado e preservar as suas “funções” e a sua dimensão “redistributiva”, e não estruturar e financiar uma nova concepção do papel do estado na sociedade portuguesa.
Na realidade, esses aumentos só pesaram sobre os “contribuintes líquidos” (que ficaram mais pobres, ainda) e não sobre os “beneficiários líquidos”. Através do aumento de impostos e de uma ou outra contenção de menor importância, estes vêem o seu estatuto (“direitos adquiridos”) e perspectivas preservadas por mais uns anitos (em salários, reformas, mordomias, subvenções, isenções, co-financiamentos, etc.). Tal sistema está pois muitíssimo longe de “dar os anéis para salvar os dedos”; realmente os “contribuintes líquidos” continuam a pagar-lhes os anéis – estes sim, estão a ficar sem os dedos.
Para a Direita Conservadora Liberal, se é mau haver serviços gratuitos universais, é ainda pior obrigar a pagar esses serviços sem haver diminuição de impostos – isso significa, realmente, acréscimo de perda de cidadania e empobrecimento, ambos induzidos pelo estado.
O combate a esta Frente de Beneficiários Líquidos dos Impostos (que associa os sindicatos da administração pública) vai ser das lutas mais difíceis da Direita Conservadora Liberal.
É certo que essa Frente integra apenas verdadeiramente as elites públicas e “protegidas” e não os 700 000 funcionários públicos, que como a sociedade civil “pagam” o sistema.
Contudo, muitos dos representantes desse imenso funcionalismo público “confunde-se” nessa Frente e o “separar de águas” torna-se muito difícil.
É aqui que a Direita Conservadora Liberal se aproxima das posições do PCP e do BE; a reforma de um tal sistema não passa pelo aumento do sacrifício de quem já é desprotegido e paga o sistema.
Se fizermos recurso a conceitos do pensamento político de Esquerda, dir-se-á que está nessa Frente Anti-Liberal o Inimigo Principal da Direita Conservadora Liberal.
Não é possível combatê-la de frente. A Direita Conservadora Liberal, segundo a minha opinião, deveria fugir a esse combate directo sempre que possível; deveria dirigir-se preferencialmente aos cidadãos civis, às não elites públicas e às suas instituições (inclusive à Igreja e ao mundo empresarial independente e consciente dos novos desafios que a globalização transporta), dirigir-se àqueles cujas actividades, pelas suas características, privilegiam o pensamento racional e científico (são independentes) e dirigir-se aos que são “nacionalistas” e patriotas. Só a “minagem” (no sentido positivo) do pensamento anti-liberal da administração pública (em sentido lato), através da divulgação e do debate sobre as nefastas consequências que têm acarretado para o País, inclusive para a sua soberania e para a sua segurança nacional, poderão criar espaço ulterior a uma apresentação mais universal e sustentável do pensamento da Direita Conservadora Liberal.
Isso não significa que se deva fugir a esse confronto; pelo contrário, deve-se realizá-lo com coragem e clareza de pensamento, mas quando a iniciativa ao confronto for “deles” (e sem dúvida que o farão).
No domínio da administração pública é essencial defender não só a diminuição das áreas de intervenção do estado, mas também e simultaneamente, uma desregulamentação global de grande parte das actividades económicas e sociais. É necessário que se retorne ao “não é crime, o que não está na lei”; é necessário dar espaço de iniciativa aos cidadãos, à sua criatividade e à inovação (técnica e social).
Deve ser deixada à livre iniciativa dos cidadãos e ao mercado a contractualização das suas relações. Os portugueses devem poder fazer “tudo”, se não forem contra a lei, e não só poderem fazer o que “está na lei e com o estado”. O estado deve servir a cidadania e protege-la e não se constituir como corporação de interesses (mesmo se abstractos) contra a cidadania. O estado deve constituir-se como expressão da cidadania e intervir nesse sentido.
Por exemplo, no presente estado de intervenção omnipresente da administração pública, o resultado da diminuição de impostos reflectir-se-ia, com certeza, no aumento do consumo e não do investimento privado. Porque acontecerá isso?
Uma das causas, é porque é extremamente difícil implementar qualquer actividade económica em Portugal. Não se trata de formalizar a criação, mais ou menos depressa, de uma empresa, mas sim o ter de “seguir” um esmagador sistema de regras e procedimentos administrativos e praticar uma gestão fortemente “condicionada” e num mercado distorcido pelo próprio estado. Os gestores privados portugueses são mais gestores de relações com o estado do que, verdadeiramente, gestores.
Até os próprios técnicos oficiais de contas estão ao serviço do estado e não das empresas ou dos cidadãos que os contratam – não há um único país liberal em que isso ocorra e, mesmo, nos países anti-liberais isso raramente acontece.
Os relatórios e dados que as empresas privadas têm de apresentar periodicamente às repartições públicas (inclusive, um simples bar ou uma creche) são verdadeiramente assustadores. Aliás, não creio mesmo que tais “montanhas” de dados possam ser tratados pelo estado, apesar de ter tantos funcionários – isso revela que os próprios sistemas de controlo públicos estão mal concebidos.
D – A solidariedade social
A solidariedade social, que opera como justificativo de um tal estado (o legitima) e até de uma administração pública tão pesada e omnipresente, tem de ser combatida pelo carácter de “burla” nacional em que se constituiu.
Essa solidariedade social orienta-se para apoio preferencial à administração pública (integro os políticos profissionais e as empresas públicas neste conceito) e não para servir a todos os portugueses e, muito menos, para transferir riqueza dos mais ricos para os mais pobres.
Compare-se o aumento dos salários médios, nos últimos 10/20/30 anos (por exemplo), da sociedade civil com os da administração pública e das empresas públicas. Compare-se igualmente os salários médios dos quadros de topo aí praticados.
Compare-se os aumentos médios das reformas da administração pública e da sociedade civil.
Compare-se os direitos sociais, em vários domínios, entre uns e outros.
Claramente se verá que estamos perante um embuste; a “solidariedade social” acabou por ser para quem menos precisa e não para os que mais precisam.
Compara-se as despesas internas de muitos órgãos de solidariedade social com o que realmente “redistribuem” e veremos que, frequentemente, se está perante a criação de emprego público “fictício”.
Aliás, seria de admirar que assim não fosse, quando afinal quem “manda” é um estado plenipotenciário e omnipresente, anti-liberal e não condicionado, e sustentado num centrão de votantes concentrados na administração pública.
Não se coloca em dúvida a solidariedade social, como é óbvio. O que se coloca em dúvida é a seriedade e a eficácia de como ela esta a ser efectuada – por vezes parece que o “dinheiro” é visto, por quem o aplica “em nome de todos”, como se “nascesse de árvores” e não como o “suor” dos portugueses.
No fundo, a solidariedade social tem justificado a transferência de riqueza da classe média (que mal a ganha, entrega-a ao estado) para algumas elites e, marginalmente, para apoio a alguma pobreza.
Apesar de tão pesados impostos e taxas dos vários variados tipos, antes do início desta crise, cerca de 2 milhões de portugueses eram classificados como pobres (segundo critérios internos; pelos padrões médios europeus, o número de pobres é bem maior).
Estou convicto que parte significativa da pobreza nacional é criada e fomentada pelo pesado nível de impostos e taxas que caiem sobre todos os portugueses e que, seguidamente, tem de recorrer à dita segurança social.
A troco de quê, pagam tanto os portugueses (segundo as minhas contas, por cada 100 euros, cada cidadão da classe média entrega ao estado entre 65 a 70 euros, ao longo da sua vida)?
A questão não está em “destruir” a solidariedade social; a questão é que a “solidariedade” tem de ser solidariedade e não fonte de privilégios descabidos, face à situação de quem afinal os tem de pagar.
Por outro lado, a ineficácia da solidariedade social está a pesar em toda a economia nacional; todo o “suor” dos portugueses mal aplicado, ou ineficientemente aplicado, impede o seu investimento em objectivos sociais mais úteis e eficazes.
E – O Sistema judicial
Claramente o sistema judicial é uma caricatura do que é a Justiça, do que é o decoro e a ética – e só estou a exprimir aquilo que ouço aos próprios trabalhadores da justiça.
Mas parece-me que mais que actuar sobre o “interior” do sistema judicial, o que é prioritariamente importante é torná-lo independente do Executivo. Não há verdadeiramente democracia sem sistema judicial eficaz e independente.
Os juízes não são funcionários públicos iguais aos outros. Eles simbolizam a ética pública e da sociedade ao mais alto nível, eles asseguram a legitimidade da coação a que o estado (a comunidade) submete todos os cidadãos por igual e, nisso, asseguram a própria coesão social e o “sentido” dessa coesão. De certo modo, eles asseguram e dão corpo à Unidade que deve existir entre o estado e os cidadãos e entre estes – eles legitimam a confiança social que deve existir entre todos numa vida em comunidade (em sociedade).
A Justiça tem de se assumir como garante da aplicação da Lei.
Quando “partidos do governo” chegam ao ponto de propor tribunais específicos para os políticos, não é um “bom” sinal; inclusive, não é um bom sinal para a preservação da coesão social nacional.
Não conheço com profundidade o que ocorre em outros sistemas judiciais, no entanto parece-me que a independência do sistema judicial nacional talvez passe por uma muito maior ligação ao Presidente da República e à Assembleia da República do que ao Executivo, cujo poder é já “incontrolável”
O próprio Orçamento da Justiça e dos órgãos judiciais deveria ser proposto por estes directamente à Assembleia da República e não pelo Executivo.
A Justiça deveria ser merecedora de um amplo debate nacional; muito mais do que de um pacto de regime.
F – A Educação
O que ocorre com a educação em Portugal deveria ser considerado um “genocídio”; não um genocídio físico, mas sim um genocídio de “almas”.
Ante do 25 de Abril, poucas pessoas tinham acesso a um sistema de ensino que, contudo, era um sistema bastante mais competente e eficaz que o actual.
Depois do 25 de Abril, “descobriu-se” que o País não precisava de quadros técnicos de base nem médios, transformou-se todo o ensino até ao 12 ano em ensino não profissional e abriu-se o acesso a todos a todos os níveis de ensino (até universitário, uma vez que os sistemas de acesso permitem a entrada de todos desde que houvesses vagas).
O acesso generalizado ao ensino foi a única medida democrática e pró-liberal que foi tomada.
Rapidamente, “arrependidos” com tal democratização do ensino, parece que se resolveu “voltar atrás”. Como, não podendo já colocar os alunos na “rua”, o que seria politicamente incorrecto (e não dava votos), fez-se descer o ensino a níveis de incompetência inimagináveis e “obrigar” os alunos a frequentarem a escola do local de residência – não fossem os filhos daqueles que nunca tiveram acesso ao ensino, misturar-se com os “seus”!
Passar a ter esta ou aquela “habilitação” deixou de ser função do que se “aprende e sabe” (nem se está interessado nisso) e passou a ser uma questão de se “estar sentado numa sala de aulas” durante uns anos.
É verdade que, nos últimos anos, algumas mudanças importantes têm sido tentadas para “reverter” tal processo.
Mais que a incompetência, ou tão grave como ela, é que hoje grande parte da juventude (e até da sociedade) não prestigia o conhecimento nem tem uma perspectiva adequada do que é conhecimento e rigor científico (tanto nas áreas das ciências físicas como humanas). Obter um diploma é muito mais uma questão política (leis que deixam “passar” de ano) do que de trabalho e conhecimento; ou seja, o próprio “conhecimento” e a sua veracidade cientifica é muito mais uma questão de política do que de competência “para fazer” (é evidente que há excepções, felizmente).
Associado a isso, um sistema de ensino centrado no educador (e não no educando), como ocorre em Portugal, induz não só uma educação que “não ensina” como não educa a “auto-aprendizagem”.
O facto da administração pública continuar tão incompetente e ineficaz apesar de possuir a maior percentagem de licenciados e até de pessoas com o 12 ano, mostra bem o que se andou a “formar”.
Evidentemente, não é lançando mais meios em estruturas “incompetentes” que estas, por si só, se tornam mais competentes.
Haver 40 000 licenciados sem emprego, em Portugal, não me admira; admirar-me-ia é que tivessem emprego. Se pensarmos que esses 40 000 desempregados licenciados foram, em grande parte, encaminhados para Universidades e para os cursos que tiraram, pelo próprio estado português, é de perguntar o que e como foi isso possível e qual a sua responsabilidade para que isso esteja a acontecer.
No fundo, isso acaba por ser um bom (mau) exemplo do que acorre quando o estado “quer ir a todas”; o exemplo dos países comunistas (de sociedades centralmente planificadas) deveria tê-lo evitado, mas não.
As “equivalências” por anos de serviço em equivalências académicas, como as proporcionadas pelos anos de serviço público, é mais um exemplo de que as “habilitações” (diploma) são mais uma questão legislativa do que de estudo e “saber fazer”; que, afinal, o salário que se aufere não depende de competência específica alguma, mas da lei apropriada.
Os concursos públicos, sustentados em exames e curricula, podiam ser fonte de ajustamento de “habilitações” reconhecidas (e isso faz-se nos países anglo-saxónicos – aonde há professores universitários e doutoradas com o 12 ano). Mas fazê-lo por simples acto administrativo, sem alguma ligação ao “saber” e ao “saber fazer” equivalentes, é desprestigiar a “habilitação” e, pior, é considerar que o “saber” correspondente não existe ou não é importante.
A ex-URSS abriu as Universidades aos operários; mas isso durou muito pouco tempo. Rapidamente constataram que o acesso às Universidades tinha de se sustentar em conhecimentos sólidos, que tinham de ser adquiridos no secundário. Os comunistas europeus nunca “brincaram” com a educação e, por isso, estamos hoje tão mal colocados para competir com eles, nesta Europa alargada (o que não ocorreu em Cuba, por exemplo).
O que se passa com a Educação e a Formação Técnico Profissional, em Portugal, é gravíssima. Segundo a minha opinião é o problema mais grave do País; e só não o coloco em primeiro lugar nas preocupações da Direita Conservadora Liberal porque não acredito que um tal estado possa alguma vez resolvê-lo – enquanto o País não for efectivamente democrático e republicano (com os poderes legislativo, executivo e judicial separados e independentes) não creio que possa haver uma resposta eficaz ao problema da Educação.
Os países comunistas europeus fizeram-no, mas numa lógica social que é inaplicável a Portugal.
É verdadeiramente criminoso o que se está a fazer com o futuro dos nossos filhos. Ocupá-los durante os primeiros 25 anos de vida (quando as suas capacidades de aprendizagem são máximas) a fingir que estudam, é criminoso. Sem duvida nenhuma, isto vai-nos “cair em cima”; aliás, já está a cair.
Mais que em tudo o resto, estará aqui a nossa perda de soberania. As elites nacionais (parece que) ainda não entenderam que não estão só a dar um tiro no pé, estão a dá-lo na sua própria cabeça.
Cidadania e Impostos
Segundo a minha opinião é no conceito de Cidadania que está a maior debilidade da sociedade portuguesa, é aqui que mais nos separamos dos Países Desenvolvidos e Democráticos, mesmo daqueles que também possuem um marcado peso de anti-liberalismo.
Estou convicto que questões históricas e culturais fizeram com que os países do norte da Europa (inclusive, a Alemanha) tivessem desenvolvido um sentido de responsabilidade e de participação social do indivíduo muito forte (no qual o protestantismo não terá sido alheio, com certeza).
Em geral, os países pequenos da Europa (Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Suiça, etc.) são países muito mais liberais que os restantes “grandes” países europeus (e daí lhes provem a sua força).
Portugal “seguiu” os “grandes” anti-liberais em vez de ter seguido os “pequenos” liberais. Contudo, segundo a minha opinião, a pequenez do País e da sua população proporcionaram ao estado português que se acabasse por assumir, na prática, ainda mais anti-liberal que os “grandes” países.
O 25 de Abril veio reforçar essa tendência e tradição; em oposição, ao que se passou em Espanha, aonde a iniciativa autonómica, a iniciativa privada (nunca nacionalizada) e a do cidadão nunca permitiram que o estado central assumisse, em Espanha, o poder incontestável, plenipotenciário e omnipresente que adquiriu em Portugal.
As autarquias representam alguma “afronta” ao estado central, em Portugal, mas replicam, elas mesmo, uma concepção tão ou mais anti-cidadania que a do estado central (pelo menos este é mais “visível”).
O cidadão português é um cidadão esmagado. Como o filósofo José Gil diz o português “tem medo de existir” (só não acredito, é que a culpa seja toda de Salazar!).
Ligação às Instituições Civis
A – Ligação à Igreja
Há um conceito, dito republicano, que localiza algum tipo de intelectualidade (pretensamente mais séria e “objectiva) no “pensamento e numa praxis” laica ou mesmo anti-religiosa.
Parece-me que, desde a Revolução Francesa, esta questão continua por resolver nos países não protestantes, pois é nos países católicos que a laicidade assume uma marcada (diria até, exacerbada) importância política, como é o caso de Portugal.
Os países do norte da Europa, inclusive a Alemanha, e os anglo-saxónicos possuem uma “religiosidade” socialmente muitíssimo activa e “visível”. A participação social das instituições religiosas estende-se por vários domínios, é ampla e pública, embora suportada, directa e essencialmente, pelos cidadãos e não pelo estado.
Mas, o que pretendo chamar a atenção é que, apesar da existência desse pensamento e de uma praxis social consentânea (que sem dúvida terá alguma fundamentação histórica), não nos podemos esquecer que as sociedades humanas, todas elas impreterivelmente, são Identificadas e Identificam-se a si, mesmas, pelos seus valores éticos, pela sua Cultura e por praxis sociais objectivas, cuja representação e simbolismo estão maioritariamente contidos e são preservados (eternizados) como reportório da Religião (ou Religiões) praticadas por essas respectivas sociedades.
Ou seja, a Religião constitui, em cada sociedade, uma fonte essencial de identificação e de coesão social, de “orientação” do dia a dia das pessoas e das comunidades humanas e, em geral, sempre esteve mais perto e “a favor” das pessoas e das respectivas comunidades do que os respectivos estados. A Religião acaba por constituir uma “emanação” e uma manifestação da própria vida em comunidade e, frequentemente, representa a própria comunidade, em si – representa a comunidade naquilo que nela se eterniza.
Evidentemente, só estou aqui a salientar o que da Religião é a relação “terrena” com o indivíduo e a comunidade e não a relação com Deus, embora ambas se correspondam.
Historicamente, as Religiões sempre desenvolveram uma intensa relação e diálogo com o Indivíduo e o seu papel na sociedade e assumiram uma particular intervenção na promoção da solidariedade no seio da comunidade (muitíssimo antes de algum estado o ter feito). A própria intermediação Divina, simbolizada pelas Religiões, traduz-se (não exclusivamente, evidentemente) numa praxis social norteada por valores essenciais à existência de vida em comunidade e à sua coesão, e essa responsabilidade assume-se no plano da responsabilidade individual (do indivíduo perante Deus).
Nesse sentido, a Igreja (e, em geral, as Religiões) têm uma postura liberal porque se trata de uma responsabilização de tipo liberal (do indivíduo), embora seja uma responsabilidade com vista à coesão e desenvolvimento da comunidade. Trata-se de uma responsabilização que visa a auto-responsabilidade.
O diálogo entre a Direita Conservadora Liberal e a Igreja coloca-se, pois, não só ao nível do conceito que, nas duas, o indivíduo assume perante si e perante a sociedade mas também porque a própria coesão social (a vida em comunidade) se deve sustentar em Valores Éticos e Espirituais que a Religião preserva e “faz cumprir” e que a Direita Conservadora Liberal também defende. Ou seja, a Direita Conservadora Liberal e a Religião possuem um entendimento muito próximo (ou mesmo coincidente) sobre o papel do Indivíduo na sociedade e de como esta deve servir a nossa Humanidade.
O humanismo liberal é um humanismo intrinsecamente religioso, enquanto que o “melhor” humanismo do estado é um humanismo laico e, frequentemente, até é um humanismo anti-religioso.
Note-se que, pela sua própria natureza, estado e Religião, representam “coisas” diferentes, embora com frequência o estado procure instrumentalizar a Religião em seu benefício. Porque têm fins e interesses diferentes, segundo a minha opinião, o humanismo laico não tem, até agora, conseguido “servir” a comunidade humana, pois rapidamente se tem desvirtuado numa relação administrativa e coerciva, externa ao indivíduo e à própria comunidade de indivíduos, e é sentida frequentemente como algo imposto de “fora” (e, até, como impostora). O humanismo laico não é auto-responsabilizante, como é o humanismo religioso.
Aliás, a “crise” de valores do ocidente, muitíssimo mais marcada na Europa continental que no resto do mundo dito ocidental, é segundo vários investigadores essencialmente derivada de um humanismo laico, que respeita muito pouco a Memória dos povos, os “seus” valores éticos e a “sua” praxis social – realmente, acaba por ser um humanismo “modista” (porque sujeito à moda) e homogeneizante, ao sabor dos votos. Como se trata de um humanismo do estado, ele “vinga” pela força coerciva do estado e porque sobre uma Religião por si amordaçada. Claramente esta situação é muito mais marcada no sul que no norte da Europa, pois as religiões protestantes não se deixaram amordaçar tanto como a religião católica; aliás, as religiões protestantes preservam uma intervenção social activíssima (associada a uma cidadania muito activa), que se estende por vários domínios como a saúde (centros de saúde, hospitais), à educação (desde creches a universidades e centros de estudos avançados), solidariedade social, combate à pobreza e apoio ao desenvolvimento, promoção de associações cívicas, etc. As Religiões protestantes são uma fonte de cidadania e de promoção à cidadania.
Parece-me que, em geral, o estado europeu não entendeu o significado da “separação” entre a Igreja e o estado, quando afinal acaba por se pretender substituir à própria Religião e impor uma laicização a comunidades humanas que, não só, não são laicas como não querem ser laicas (e, de facto, não o podem ser). O debate que teve lugar relativamente à inclusão ou não de uma referência à Religião Cristã na introdução da Constituição Europeia é disso exemplo.
Aliás, a forma como o estado europeu está a tratar a laicidade, parece-me estar a descaracterizar a própria Civilização europeia e a sua coesão interna, enquanto comunidade; por um lado, “laicidade” não deve significar “contra a religião” e “liberdade de religião” também não significa “sem religião”. O estado é laico, mas as pessoas, que dele fazem parte e representa, não são laicas.
É lamentável, e grave, que este tipo de laicidade como anti-religião, se assuma muitas vezes como pretensamente derivada do pensamento científico; a ignorância do que é Religião e Ciência é devastadora e aterradora.
É nesse sentido (embora, não o seja exclusivamente) que eu afirmo que a Direita Conservadora Liberal deve preservar e desenvolver um diálogo amplo e aberto com a Igreja Católica. A Igreja Católica é a Instituição que melhor representa os portugueses, a sua cultura e os seus valores e aspirações éticas (tenha a Igreja disso ou não consciência, esteja ela mais ou menos “amordaçada” para o fazer). Por outro lado, a Direita Conservadora Liberal quer-se constituir, no plano político, como representante esclarecido, sério e honesto, das aspirações, dos direitos, dos valores desses mesmos portugueses.
Parece-me que a própria Igreja tem necessidade de uma afirmação social mais consentânea, não só, com a representatividade que possui em Portugal (e que tem vindo sucessivamente a ser esmagada e amordaçada) mas também com a responsabilidade social que ela possui efectivamente para com os cidadãos portugueses.
O diálogo com a Igreja não se deve pois realizar porque esta, com o seu “poder”, possa ajudar à conquista de votos. Isso seria tentar persistir na instrumentalização da Igreja (o que tem ocorrido ao longo de séculos), mas nunca seria um bom caminho a seguir para a Direita Conservadora Liberal, uma vez que negaria a sua própria essência (os fins não podem nunca justificar os meios). Esse diálogo deveria existir porque, sob o ponto de vista conceptual e ideológico, a Igreja é a Instituição civil portuguesa que com maior facilidade e sentido de responsabilidade pode interagir com a Direita Conservadora Liberal.
Evidentemente, um tal diálogo não significa que ele não deva ser estendido às restantes Religiões existentes em Portugal, em especial às Cristãs.
A divergência possível entre a Direita Conservadora Liberal e a Igreja Católica estará eventualmente na forma centralizada com que a Igreja Católica vê a sua actuação na sociedade – hoje, bastante menor que ontem mas, mesmo assim, muito mais que as Igrejas Protestantes.
De facto, há uma grande desconfiança de como algo se pode “dirigir-se” numa dada direcção sem ser sob a ordem de um “comandante”. Tal desconfiança tem razão de ser; contudo, isso não ocorre deste modo em sistemas complexos adaptativos como o são as sociedades humanas. Apesar de todas as desconfianças, a realidade social dos países liberais mostra bem que não é preciso um “comandante” plenipotenciário e omnipresente para que “todos” caminhem e caminhem de forma ordeira, eficaz, criativa e responsável.
Não sei quais os contactos existentes entre a Igreja Católica portuguesa e a Igreja Católica dos EUA, do Canadá ou da Austrália, mas seria interessante e muitíssimo frutuoso, mesmo para a Direita Conservadora Liberal, desenvolver um diálogo tripartido entre estas instituições – acho inclusive que seria interessante a Direita Conservadora Liberal pedir esta ajuda à Igreja Católica portuguesa e dos EUA para uma reflexão conjunta, de âmbito teológico, sobre o “liberalismo como pressuposto de realização do Homem” e sobre “humanismo religioso versus humanismo laico”.
B – Ligações às Universidades e Instituições de investigação social
Uma parte do debate que a Direita Conservadora Liberal terá de desenvolver, é a nível conceptual.
Todos temos consciência que quando se fala em Direita Conservadora Liberal ou em qualquer outro tipo de direita, o que se vê é “medo”; “medo” de um passado que parece não ter sido bem entendido e caracterizado. A Direita tem esse pecado original, mas a Direita Liberal está-lhe associado, apesar de nada ou pouco ter a haver com ele.
Por outro lado, a Direita Conservadora Liberal defende valores e conceitos que, frequentemente, me parece que não são bem entendidos pelos portugueses, mesmo a nível de alguns especialistas. Os conceitos de liberdade, de cidadania, da separação objectiva dos poderes do estado (sistemas de poder e contra poder, de equilíbrio de poder, etc.), o papel social do mercado e a da moeda, o corporativismo e o cooperativismo, etc. – todos eles, conceitos “importados” – parecem-me, frequentemente, conceitos pouco entendidos. Os portugueses possuem, interiorizada, uma cultura anti-liberal, anti-cidadania, e frequentemente não têm disso consciência, nem sabem e admitem que é possível “pensar e fazer de forma diferente”; muitos dos conceitos “importados” (porque não “produzidos” pela nossa realidade social) são ajustados à realidade interna (forma de pensar e agir) e muitas vezes acabam por ser pálidas imagens do que representam esses mesmos conceitos aí aonde foram “descobertos”.
Por isso me parece que é essencial iniciar o debate aí aonde as pessoas possuem intensas preocupações científicas, intelectuais e sociais e estão disponíveis para “ouvir, pensar e contestar”.
Iniciativas Pró Cidadania
O índice de livre associativismo em Portugal é baixíssimo. Muitas das associações que se criam, acabam por ser desconhecidas do público e, de facto, nada fazem – a não ser, ir buscar subsídios ao estado (do qual realmente acabam por depender e “servir”).
É evidente que Impostos tão elevados transformaram os portugueses em cidadãos cada vez mais pobres e com cada vez menos possibilidades de assumir iniciativas autónomas e independentes do estado.
Sem dinheiro, não se pode ter iniciativa para nada; as energias de cada um, restauradas, dia após dia, são para continuar a persistir numa sobrevivência precária e para continuar a pagar impostos a alguém, que diz que “toma conta” de nós e dos nossos filhos, e que diz que isso é para o “nosso” bem.
Quando Jorge Sampaio ou Cavaco e Silva fazem apelo à iniciativa civil, só podem estar a brincar!
Mas, infelizmente, não estão a brincar. Não estão a brincar, porque não têm uma clara consciência que pessoas pobres não podem ter iniciativa e ainda menos têm consciência que é o próprio estado que as empobrece. Pessoas pobres, numa sociedade profundamente burocratizada e “inibidora” de toda a iniciativa (a não ser das elites “protegidas”), nada podem fazer, a não ser tentar continuar a sobreviver e a continuar pagar impostos ou, então, têm de “fugir” (imigrar).
Os “ferraris” e os “patrol” não serão nunca substituídos por um empreendorismo diferente, porque não só continuará a vir o dinheiro de aonde ele veio para os pagar como continuará a vir a respectiva “protecção”.
A questão da cidadania e da sua participação coloca-se com premência, ao nível do nosso sistema societário.
É evidente que Jorge Sampaio e Cavaco e Silva têm razão, é evidente que a sua preocupação com a cidadania constitui o cerne de um grave problema estrutural da nossa sociedade, mas se não se olhar para as suas causas profundas ficaremos pelo “conversa e pelas boas intenções”. Para tal, é preciso deixar de ter medo que milhões de portugueses pensem e ajam, é preciso acreditar na cidadania e que daí virá bem para todos.
Em Portugal, só o Estado ou as entidades a quem ele entrega o dinheiro dos impostos, podem tomar iniciativas socialmente significativas. Para além dos estrangeiros, são muitíssimo poucos os portugueses que o podem fazer de forma autónoma e independente do estado.
Apesar de tudo, penso que é possível à Direita Conservadora Liberal ajudar na promoção de associações de cidadãos com vista à sua participação em vários domínios, inclusive de carácter económico.
A extrema pobreza da classe média portuguesa aconselha a que se olhe o cooperativismo, tipo nórdico, como uma hipótese interessante de modelo associativo. O recurso à Internet e o cooperativismo criam um novo espaço de cidadania a explorar.
Quelhas Mota