27 novembro 2006

Entrevista Com Manuel Monteiro

GRANDE ENTREVISTA

Conduzida por Sara Marques


SEM UM GRANDE COMBATE IDEOLÓGICO A DIREITA NÃO SE AFIRMA

Numa entrevista em que procuramos conhecer o pensamento político do Presidente da Nova Democracia, houve ainda tempo para percorrer os corredores que o levaram a sair do CDS e a partir para outra iniciativa partidária. Directo, vai ao ponto de afirmar que PSD e CDS são aliados da esquerda, na recusa de um verdadeiro debate ideológico. Quando lhe perguntamos porquê, responde sem hesitar que há um novo contrato social celebrado entre os que criticam na aparência o Estado, para dele viverem na essência. Defendendo a afirmação de uma direita patriótica, universalista e amante da liberdade, explica que essas são as características do conservadorismo liberal português e que é em nome desses princípios que sustenta um amplo debate na direita portuguesa. Crítico da tecnocracia que considera herdeira do bloco central, sustenta a actividade política como uma competição de ideais que conduzam à existência de alternativas, por oposição ao que considera ser o rotativismo actual do sistema.


Dr. Manuel Monteiro, o que é que o fascina na política, o que é que o levou enquanto jovem a ingressar num partido político?

Fascina-me o desafio e a possibilidade de através desse desafio constante, competirmos pelas nossas ideias. Eu penso que é uma actividade de competição e aquilo que torna a política mais enfadonha, e mais aborrecida, é o facto da competição pura, dura, mas leal, deixar de existir. A competição por ideias, o jogo competitivo, é algo de profundamente fascinante porque requer inteligência, convicção, capacidade de persuasão, arte de comunicar, ou seja envolve um conjunto imenso de factores que ainda não foram descobertos por muitas pessoas. É evidente que a política na sua versão tecnocrática é o oposto disto tudo, e portanto em nome do fazer, e do fazer a qualquer custo, independentemente do pensar, do debater, a politica perdeu o seu lado apaixonante. Essa paixão, digam o que disserem, existiu no - pós revolução e no início da década de 80 e foi precisamente nessa época que mais jovens, como eu, foram atraídos para a política.

E nessa altura porquê a Juventude Centrista?

Primeiro, distribui papéis na JS. Eu estava num liceu, o Passos Manuel, onde também estudava na minha turma, o actual ministro da justiça, o Dr. António Costa, bem como o Dr. Henrique Freitas, que foi Secretário de Estado da Defesa do governo Durão Barroso. Era um liceu muito marcado pelas lutas políticas. Muitas dessas lutas assumiam mesmo o confronto físico, entre militantes da UEC, a União dos Estudantes Comunistas, e o MRPP. Era também um liceu com uma forte implantação da UDP. A luta entre várias facções e interpretações do chamado movimento revolucionário era profunda, diária e intensa. Nesse contexto a JS representava o lado solto e mais sereno do movimento estudantil e eu comecei, com total naturalidade e abertura, a distribuir panfletos preparados pela juventude socialista. Isto aos 14 anos.

Mais tarde aderi ao núcleo da Juventude Centrista que existia no Liceu, muito por “culpa” do grupo com que me tinha entretanto começado a relacionar. Depois recordo-me que nesse ano fui passar as habituais férias de Verão à quinta do meu Avô, em Vieira do Minho, e na casa do meu Avô descobri imensa propaganda do CDS. Percebi que a minha ligação recente à Juventude Centrista teria toda a aceitação por parte de alguém que me era particularmente querido e a partir daí a minha “aposta” no CDS aumentou.

Mas a sua adesão é muito mais por força das circunstâncias do que por convicção ideológica…..

Com certeza, repare até essa altura eu devia ter lido quase todos os livros do Camilo e do Eça, mas livros sobre acção política, no sentido puro do termo não conhecia nenhum. Seria uma presunção da minha parte estar aqui a dizer que aderi a juventude centrista por ideais, pela doutrina, do próprio partido. Isso foi algo que encontrei mais tarde. A minha adesão é feita da forma mais espontânea e muito por reacção á situação que se vivia no próprio liceu, onde estudava.

Quando pensa nos tempos que passou na JC, no CDS e também no PP, no geral pesam mais as situações positivas ou negativas?

As positivas com certeza. Não se podem deitar fora recordações, combates, lutas, momentos, vividos durante muitos e muitos anos. Eu estive 20 e muitos anos ligado aquele partido, e (…)

- O PP foi um projecto de direita sem complexos -

Foi portanto um bom capitulo da sua vida….

(…) sem duvida. Repare eu fui quase tudo naquela casa. Comecei como dirigente associativo estudantil, depois fui membro de uma concelhia da juventude centrista, fui vice-presidente de uma estrutura distrital, fui vogal da direcção nacional da JC tendo a meu cargo a implantação nas escolas, fui vice-presidente da juventude centrista e, mais tarde, seu presidente durante 4 anos. Passei pelo Parlamento em 1985, como deputado substituto, fui posteriormente conselheiro nacional do partido, e depois, em 1992, candidatei-me à liderança do CDS, tendo ganho o Congresso em Março desse ano, no Hotel Altis (…)

Altis onde vai regressar, mas agora com a Nova Democracia…

(…) é verdade. Mas voltemos ao CDS. Um ano após a minha eleição começámos a preparar a sucessão do CDS criando o PP e em finais de 1993 fundamos o Partido Popular, o primeiro partido com representação parlamentar a assumir-se, verdadeiramente, como partido de direita.

Acto que foi considerado por muitos como o enterro do CDS…

É verdade, mas eu prefiro falar em sucessão. Não escondo todavia que entre o CDS e o PP iam as diferenças que permitiram ao Prof. Freitas do Amaral desfiliar-se e ao Dr. Ribeiro e Castro manter-se afastado.

Entretanto sai e funda a Nova Democracia.

Eu saio de Presidente do PP em Março de 1998, curiosamente na mesma data, no mesmo mês, em que tinha sido eleito 6 anos antes e em 2003 participo activamente na fundação da Nova Democracia..

- O bloco central destruiu a emoção e a paixão pela política e abriu caminho aos tecnocratas -

Acha que a estrutura partidária da qual faz parte um grande capítulo da sua vida e do qual guarda boas recordações ainda existe? O Sr. Dr. já lá não está, mas acha que essa estrutura ainda existe?

Não sei, eu penso que se calhar não existe lá como não existirá na esmagadora maioria dos partidos. Creio que a lógica da militância pura, existente de forma inquestionável em todos os partidos no pós 25 de Abril, deixou de existir a partir de determinada altura. O momento de viragem é o governo do bloco central. Até 1983 a política é vivida com imensa emoção no país. É evidente que há um partido revolucionário que não é alheio a isso, mas havia combate partidário puro. Sair de casa para participar em qualquer acção política era um desafio intenso. A partir de 1983 o governo de bloco central, coligação PS/ PSD, veio alterar totalmente isso. Os adversários passaram a funcionar como aliados, as alternativas sucumbiram perante as alternâncias e os desentendimentos previamente combinados passaram a ser a regra não escrita.

A política perdeu interesse?

Em muitos aspectos sem dúvida que sim. 1983 é o momento da viragem e a preparação para a entrada triunfal dos tecnocratas na política portuguesa.

Está a falar dos governos do Prof. Cavaco Silva?

Estou também a falar dos governos do Prof. Cavaco Silva, não há que o esconder. Habitualmente as análises não contemplam esta questão, mas o certo é que após o bloco central tudo foi diferente, para pior, na política portuguesa. Com a tecnocracia como pano de fundo procurou-se dar a ideia de que as ideias e o debate ideológico eram uma pura perda de tempo e o resultado conduziu a que a luta política fosse essencialmente centrada na “competência” dos intervenientes e menos, muito menos, nas ideias dos mesmos.

E isso foi negativo….

O resultado está à vista. Nada muda na essência, porque na essência quem promove a alternância é apenas a outra face da mesma moeda. Pode existir muita polémica, muita gritaria, mas no fim tudo e todos convergem para a mesma mesa….

- O Pacto MFA – Partidos foi substituído pelo Pacto do Bloco Central de interesses -

Falemos então da Nova Democracia. Ela é ou não uma força política de direita?

Bom no primeiro momento não se assumiu como tal. Fruto de variadas circunstâncias a Nova Democracia surge como um partido que recusa aquilo que designou de leitura simplista da política, espartilhada entre a geografia da direita e da esquerda, sem que essa classificação tivesse tradução valorativa. E nisso se afastava, num certo sentido, do Partido Popular. Este pretendeu, sem qualquer margem para dúvida, ser um partido da direita democrática, da direita moderna, que respondesse a um vazio claro que existia na vida politica portuguesa. O PP não fazia parte do sistema, na medida em que não subscrevia a lógica subjacente ao Pacto MFA – Partidos.

Está a dizer que essa lógica, em 1993, ainda se mantinha?

Sem dúvida. Não é por acaso que falo de “lógica”. O Pacto MFA – Partidos foi substituído pelo Pacto do Bloco Central de interesses. Interesses que convergem e que são determinados entre a classe dominante do regime. Essa classe dominante é constituída por pessoas do PS, do PSD e também do CDS. Ela partilha, entre si, os melhores postos da sociedade. No governo, na oposição, nas principais autarquias, nas administrações hospitalares, nas administrações de empresas públicas ou de influente presença do Estado, nos institutos públicos, a repartição é perfeita. Há até quem diga que essa partilha se estende a negócios que são salomonicamente distribuídos por certos gabinetes….

Está quase a falar de um Estado dentro do Estado…

Estou mesmo a falar disso. Há para aí uns quantos distraídos que pretendem ver em certas organizações o centro de um imenso e terrível poder, quando de facto deviam orientar as suas análises para a extensão concreta deste imenso Pacto do Bloco Central alargado (…)

Alargado?

(…) sim alargado, porque não nos podemos esquecer do CDS, ou de parte considerável de vários dos seus dirigentes. Há aliás uma versão moderna para designar este bloco central alargado (…)

Qual é?

(…) é o chamado “arco da governabilidade”. Foi criada para permitir a entrada do CDS na tertúlia das negociações.

Mas o PP, enquanto o Dr. Manuel Monteiro foi seu presidente, também negociou com o governo PS. Estou a lembrar-me do Orçamento de Estado…

É verdade, mas a negociação foi política. Apenas política. Comigo não se registaram acordos para lá daqueles que implicavam a negociação pura em torno das propostas orçamentais.

- O PP foi apenas tolerado pelo CDS. E enquanto tinha sucesso eleitoral -

E como era a relação do PP com o CDS? No fundo os senhores eram inquilinos do Caldas e o Caldas já existia.

A relação teve altos e baixos. O PP é tolerado dentro do CDS enquanto vence, enquanto tem êxito eleitoral. Mas em muito aspectos era quase um intruso dentro do CDS. O PP tinha uma linguagem nova e, muitas vezes, dentro da própria casa era considerado radical, populista, demagogo. Nós tínhamos uma forma nova de comunicar, como aliás ficou patente nas campanhas de 1994 e de 1995. Entretanto, fruto de circunstâncias várias, eu demito-me e quem me sucede, o Dr. Paulo Portas, começa a falar num primeiro momento em CDS-PP, para num segundo momento, só falar de CDS, assumindo aliás com toda a legitimidade o regresso ao passado, no que tem sido entusiasticamente acompanhado por Ribeiro e Castro.

Então volta a existir um vazio à direita….

Exactamente.

Mas se assim é o que leva a Nova Democracia a não querer ser, logo de início, um partido claramente de direita?

A queda do muro de Berlim e o desmoronamento do império soviético, conduziram a que muitos tivessem decretado o fim das ideologias, ou pelo menos das ideologias tal qual tinham sido escritas e proclamadas. Nesse sentido parecia ultrapassado, e até redutor, continuar a falar nos velhos moldes em direita e em esquerda. Surgia assim a ideia de que mais importante do que situar valores à direita ou à esquerda, era ter valores e trazê-los para a vida politica nacional…

Esse entendimento falhou…

(…) não sei se podemos dizer que falhou, mas de facto ele não correspondeu ao que todos desejavam. A realidade e as suas circunstâncias nunca podem ser menosprezadas no plano da acção política e a Nova Democracia teve efectivamente dificuldade em transmitir uma mensagem que não “casava” com o sentimento da maioria dos seus membros, talvez desde logo comigo próprio. Se eu me tinha batido pela existência de uma direita partidária parecia estranho aos olhos de muita gente que agora surgisse dizendo que a “classificação” não era relevante.

- O 2º Congresso da Nova Democracia marcou a mudança de rumo - Daí a mudança?

Daí uma reflexão serena e a aprovação, no 2º Congresso, em Aveiro, de um documento “Os Valores Políticos da Nova Democracia” que clarificavam o posicionamento ideológico do partido. Para além de clarificar, esse documento abria caminho para os passos que entretanto viriam a ser dados.

Tais como a proposta de Manifesto para a Direita?

Claro que sim, bem como a própria proposta para a realização dos Estados Gerais da Direita. Sem o Congresso de Aveiro não teríamos corrigido o tiro e sem o documento de que lhe falei não teríamos hoje condições para explicar a que Direita queremos pertencer e qual o significado que a palavra tem para nós. O Congresso de Aveiro permitiu definir um rumo e é em seu nome que estamos agora a caminhar.

Sente então que até Aveiro a Nova Democracia perdeu tempo?

Não digo isso, mas registei que quantos se bateram por um partido não identificado com a direita se afastaram após resultados eleitorais negativos, tendo até num ou noutro caso saído da Nova Democracia para aderir ao PS. Afinal os valores eram importantes, mas os votos não o eram menos…

Havia então uma grande confusão ideológica no seio da Nova Democracia….

Talvez, mas todos aprendemos com todos e a oportunidade de termos partilhado experiências com pessoas de elevado valor intelectual e ético nunca poderá ser considerada tempo perdido. Creio termos percebido que um partido é pensamento, mas também é acção e que esta se destina a pessoas concretas. Umas com formação académica, outras sem a escolaridade obrigatória; umas com vontade de pensar no futuro, outras apenas preocupadas em viver o presente. Todas essas pessoas são eleitoras, todas votam e todas têm o mesmo peso político. Não o perceber pode ser um exercício de grande desprendimento, mas é um testemunho de pouco realismo. A política é uma actividade competitiva, e competir na política significa captar eleitores nas suas ânsias, nas suas preocupações….

Quer então uma Nova Democracia voltada para a acção?...

A actividade política ao nível partidário é a síntese permanente entre pensamento e acção. Só pensamento conduz-nos a especulação constante; só acção conduz-nos a pragmatismo tecnocrático. O nosso desafio é agirmos em função de um pensamento claro, que nos diferencie mas que nunca descure a realidade em que nos inserimos.

- Há ainda um estigma contra a Direita -

Falemos então desse pensamento da Nova Democracia, o tal pensamento de direita, mas antes disso deixe-me perguntar o seguinte: não sente que é ainda politicamente incorrecto ser-se de direita ou pretender politicas de direita?

Reconheço que ainda há um estigma, um estigma muito grande por parte de muita gente em relação à direita. Isso é de tal forma assim que quem é de esquerda não tem nenhum problema em dizer que é de esquerda, enquanto quem é de direita prefere dizer: ” somos conservadores”, ou “somos liberais”…

Há medo da palavra?

(…) há um estigma terrível, que se mantém 32 anos depois da revolução. Você não vê na política activa quase ninguém a dizer: “eu sou de direita”, “estou aqui em nome da direita”. Fala – se do centro, do centro – direita, e deixa-se a palavra ser gasta pelos da esquerda que a continuam a usar para assustar ou amedrontar as pessoas, proferindo com total impunidade um conjunto de mentiras e falsidades, sobre a direita e os seus defensores.

Mas de quem é a culpa?

É nossa, dos que somos de direita. Dos que somos verdadeiramente de direita. Na verdade a esquerda portuguesa tem a “direita” que mais lhe interessa. Convém-lhes manter esta falsa dialéctica, para que a roda vá girando dando a impressão de competição ideológica. Nada de mais falso.

- Marques Mendes e Ribeiro e Castro não são de direita -

Falso porquê? Marques Mendes ou Ribeiro e Castro não são homens de direita? Não asseguram essa competição ideológica?

O Dr. Marques Mendes é um social democrata e o Dr. Ribeiro e Castro é um centrista democrata – cristão. Nem um nem outro são, ou querem ser, de direita.

Mas se Marques Mendes e Ribeiro e Castro não são homens de direita, tal como o não são o PSD e o CDS, que sentido teve convidá-los a participar nos Estados Gerais da Direita?

Para desfazer equívocos. É importante esclarecer, clarificar, mesmo que isso não seja vantajoso a quem gosta do sistema tal como está, ainda que se afirme contra a esquerda. Nós tivemos uma revolução de esquerda, tivemos depois um 11 de Março que conduziu a revolução de esquerda para a extrema esquerda e tivemos o 25 de Novembro, de 1975, que trouxe o regime para um imenso centro De então para cá, salvo o movimento gerado pela AD, em 79/80; a campanha de Freitas do Amaral, não digo o próprio Freitas do Amaral, em 86 e o PP de 93 a 98, não se verificou nenhuma vida à direita…

Está a dizer que o sistema parou no centro?

(…) estou a dizer que falta apresentar a direita, tal como ela é, despida de preconceitos, afastada de clichés, para que os cidadãos possam de facto fazer escolhas. Esse é um dos requisitos mínimos da democracia: a existência de reais alternativas. Sem elas não há democracia, há simulação de democracia.

- Temos de combater os preconceitos contra a direita -

Não teme que apesar de defender a direita moderna e democrática, muitas pessoas o identifiquem com o autoritarismo saudosista? Tem por certo presente a opinião que muitos têm de si a propósito das suas posições sobre a União Europeia.

Eu acredito na liberdade, a liberdade é um dos valores fundamentais para mim e é em nome desse valor, que eu sou de direita. Rejeito pois qualquer visão autoritarista.

Mas não nega a dificuldade na afirmação de um partido que se diga só de direita, sem referência ao tal espaço do centro…

Admito que se 32 anos depois a direita ainda continua a ser diabolizada por muitos, o começo não seja de grande facilidade, mas isso não nos pode impedir de a afirmar. Há muitos jovens livres que estão à nossa espera, tal como existem cada vez mais portugueses que se passam para o lado da abstenção por terem desacreditado do sistema.

Há quem tenha a ideia de que ser de direita é recusar a solidariedade social, demonstrando distância perante os mais pobres e os seus problemas. Ao contrário a esquerda responde com o chamado Estado social….

Ora aí está um preconceito contra a direita que a esquerda por comodidade e o centro por pura conveniência eleitoral, teimam em manter…

- Não sei o que é o Estado social -

Desculpe interrompê-lo, mas tenho de fazer – lhe a pergunta: rejeita o Estado social?

Não sei o que isso é… O Estado é uma criação do homem e foi uma criação tão forte que suplantou em muitas circunstâncias o próprio criador. De tal modo que temos assistido ao longo dos tempos à tentativa do Estado criar “homens novos”. Conhece por certo a expressão, bem como os seus autores, bem como os seus inúmeros percursores. A verdade todavia, a verdade crua e nua, é que em nome de tal ideia já morreram milhões de pessoas e outras tantas ainda vivem infelizes e na miséria. Se justiça houvesse esses idólatras do Estado e do igualitarismo estariam sentados no banco dos réus para serem julgados pelos violentos ataques aos direitos, às liberdades e às diferenças dos cidadãos…

Mas voltando ao Estado social…

(…) não podemos falar já do Estado social, sem equacionarmos o modelo de Estado em que acreditamos. Essa é uma armadilha para que a esquerda sistematicamente nos empurra, sempre que queremos falar deste assunto. Temos de nos entender sobre esta matéria. No tal documento “Os Valores Políticos da Nova Democracia” definimos o Estado como algo de útil e necessário. Útil e necessário ao Homem, claro está. Se o Homem criou o Estado foi para que este o servisse, não para o servir. Esta verdade tão simples é sistematicamente esquecida e em nome desse esquecimento regista-se uma adulteração do papel que foi destinado ao Estado desde que foi concebido.

- É preciso debater o modelo de Estado em que acreditamos -

Que modelo entende então para o Estado?

Defendo um Estado forte capaz de distinguir, sem ambiguidades, as funções que lhe cabem e que não podem ser desempenhadas por particulares, sejam cidadãos ou empresas, como a Justiça, a Defesa, a Segurança e a conservação do Território; das funções subsidiárias que deve desenvolver para que os cidadãos tenham igual dignidade e iguais oportunidades.

Cabe então na função subsidiária, aquilo a que muitos chamam Estado social?

Sem dúvida. Para que os que são efectivamente pobres tenham total oportunidade para o deixarem de ser. Esta questão é crucial. A esquerda quer acabar com a classe média e com os ricos, para justificar a existência do Estado social; eu quero dar combate à pobreza, incentivar à ideia de que devemos viver melhor, para que o Estado social não seja necessário. A subsidiariedade é aliada da liberdade individual, o Estado social é vassalo do socialismo.

- A diarreia legislativa prejudica o Estado de direito -

Não acha que as pessoas só vão entender o que acaba de dizer, quando puderem analisar propostas concretas…

Esse empreendedorismo da proposta tem levado a uma diarreia legislativa, que é tão grave para o Estado de direito, quanto a ausência de regras claras e simples. Eu entendo que o primeiro combate da direita moderna passa por desmistificar conceitos, contrariar expressões, destruir tabus, que se erguem como vacas sagradas no discurso político português. Isto implica um combate ideológico. Esse combate ideológico é tão oportuno, quanto indispensável. Sem combate ideológico que venha a sustentar as propostas, nada feito. A esquerda e os seus aliados do sistema serão sempre ganhadores, ganhe quem ganhar as eleições. E esses aliados também estão no PSD e no CDS.

Acha então que o combate tal como tem vindo a ser desenvolvido está errado?

Totalmente errado! É por isso que a direita deveria promover uma discussão aberta, sem qualquer tipo de receio, sobre o significado e alcance, hoje, de conceitos como: Estado social; igualdade; solidariedade; contratação colectiva; gratuitidade; impostos progressivos; habitação social; globalização; liberdade política; liberdade económica; propriedade privada; empresa; lucro; riqueza….

E o que conta ganhar com tal debate?

Uma clarificação sobre o conteúdo de cada uma das expressões, hoje no século XXI. A política tem de ser clara, para que saibamos onde votamos, em quem votamos e qual o sentido preciso do nosso voto. A ausência deste debate leva a que os cidadãos se sintam sistematicamente defraudados independentemente de votarem mais à “esquerda” ou mais à “direita”.

Porque sentem que é tudo igual..

Ora nem mais. Percebem depois do voto que tudo é mais do mesmo, apesar dos estilos, das imagens televisivas, dos discursos. Sem um debate ideológico prévio e atempado, não existe a possibilidade de criação de alternativas.

- Há hoje um novo contrato social -

Pensa encontrar muita gente disponível para esse debate?

Francamente ainda não. Este debate é tão incómodo para a esquerda, como para o PSD e o CDS. Se quiser ele é ainda incómodo para um significativo conjunto de pessoas, que embora apregoem o liberalismo são prisioneiros de luxo do Estado que tanto criticam. No fundo estes beneficiários do “novo contrato social” não estão minimamente interessados na mudança apesar de dizerem o contrário. Convencionam com o Estado as críticas públicas que lhe vão fazer, para de seguida com ele contratarem ajudas, subsídios, isenções ou benefícios fiscais, apoios, etc, etc.

- As Pescas, as Florestas e o Interior são prioridades nacionais -

Mudemos agora um pouco de assunto, para falarmos das suas mais recentes incursões no mundo das Pescas e nos Concelhos do Interior. Porquê esta aposta?

Porque defender as Pescas e lutar pelo desenvolvimento do Interior é conseguir ter um País mais rico. É tão simples quanto isto. As Pescas são um sector estratégico da nossa actividade económica e o Interior é o garante do equilíbrio nacional. Não entender isto é não entender Portugal. Tudo o mais que eu pudesse dizer não alteraria em nada o pensamento que lhe acabo de expor e por isso as Pescas, a Floresta e o desenvolvimento do Interior têm de ser causas políticas da Direita portuguesa.

O que significa que é manifestamente contra as actuais políticas do governo?

Com certeza, completamente contra, desde logo porque revelam autismo e falta de visão. Nós deveríamos ter, neste momento, uma política de repovoamento do interior e não uma política que convoca os cidadãos que ainda lá vivem a procurar o litoral. Quem assim procede, mesmo que de quando em vez evoque amor pelo interior, revela uma grande hipocrisia e um total falta de patriotismo.

Estamos a caminhar para o fim da nossa conversa, mas há ainda algumas perguntas que gostaríamos de lhe colocar.

Muito bem…

- A Constituição é um entrave à consolidação da democracia -

Pensa que a democracia em Portugal está consolidada?

Não, enquanto a actual Constituição estiver em vigor. Enquanto a chamada lei fundamental não for um denominador comum de todos os portugueses, sem excepção, não haverá verdadeira democracia. Desde logo porque a possibilidade dos partidos concorrentes, e dos que ganham as eleições, assumirem de facto o que são está posta em causa.

Essa é então a razão da proposta de uma Nova Constituição feita pela Nova Democracia?

Essa é efectivamente a razão de ser de uma proposta para uma Nova Constituição e não apenas de uma revisão, ainda que alargada, do actual texto constitucional.

Já falamos há pouco dos Estados Gerais da Direita que quer realizar. O que pretende com tal realização?

O que pretendo em primeiro lugar é que a direita, e quantos se reivindicam como tal, se confronte a si própria e que o faça antes das eleições.

O Prof. Marcello Rebelo de Sousa pensa que esse debate a tanto tempo de um acto eleitoral é um erro….

O Prof. Marcello Rebelo de Sousa não tem razão. A minha proposta não visa encontrar um programa eleitoral ou de governo; a minha proposta visa esclarecer o que é ser de Direita no Portugal do Século XXI. Primeiro as Ideias, depois a Política, só depois as Políticas ou seja as propostas. Eu pergunto: o Prof. Marcello é de direita? E se é que isso quer dizer? É assim tão difícil responder a estas perguntas?

- Os conservadores liberais são patriotas e universalistas -

Quem vai convidar a participar nesses Estados Gerais? Não corre o risco de só lá estarem pessoas da Nova Democracia?

Tenciono convidar pessoas que afirmam não ser de esquerda, mas não quero estar prisioneiro nem do mediatismo dos convidados, nem da quantidade das respostas de quantos entendam dizer presente. Estará lá quem queira participar. Sem dramas, sem pressões, sem segundas ou terceiras leituras….

Agora sim, mesmo para terminar: o que quer dizer conservador liberal? Nós estamos habituados a ouvir falar em conservadores, em liberais, em conservadores e liberais, mas em conservadores liberais não. É apenas uma questão semântica?

O meu amigo Diogo Pacheco de Amorim explicou há dias o que é ser conservador liberal. Fê-lo, na minha opinião, de uma forma brilhante quando se referiu ao casamento entre a tradição e a inovação. Tradição e inovação, num País com as nossas características. Os conservadores liberais portugueses são patriotas, são universalistas e são amantes da liberdade. São – no tal como o foram os homens das descobertas que deram a conhecer Portugal ao mundo e trouxeram o mundo até a Portugal. Nem só conservadores, nem só liberais. Por isso mesmo Conservadores Liberais.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Partilho desta ideologia e gostava de saber se era possível participar nos Estados Gerais de Direita.

Melhores cumprimentos

João Barreiros

11:55 da manhã  

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