27 novembro 2006

O Conservadorismo Liberal

… O Conservadorismo Liberal, por seu lado, está ausente da realidade institucional europeia e o mercado, um dos seus pilares fundamentais, foi transformado num instrumento ao serviço de uma utopia centralizadora do poder…

A UE é, cada vez mais, um projecto de influência socialista que assenta maioritariamente em práticas da mesma natureza. O Conservadorismo Liberal, por seu lado, está ausente da realidade institucional europeia e o mercado, um dos seus pilares fundamentais, foi transformado num instrumento ao serviço de uma utopia centralizadora do poder.

O Conservadorismo Liberal define-se pela conjugação de ideias conservadoras e liberais. Existe um conjunto de ideias chave que são comuns às duas ideologias e que se verificam exclusivamente a nível nacional:

1 - A lei democraticamente aprovada como elemento definidor da actuação dos diversos agentes em cada país ou na respectiva jurisdição (a “rule of law” anglo-saxónica).
2 - A independência do poder judiciário.
3 - O Estado com limites ao seu crescimento e à sua dimensão.
4 - A distinção clara entre sociedade e indivíduos e o Estado.
5 - A limitação do poder político pela garantia constitucional da existência de uma oposição, seja qual for a forma que ela tomar.

Mas existem também ideias divergentes entre as duas ideologias. Uma dessas ideias reflecte-se na forma como os cinco valores acima apresentados são encarados. Para os conservadores, o Homem é considerado de uma forma realista, daqui resultando que deve ser respeitada a especificidade de cada ser humano e de cada povo, as suas práticas culturais e as suas tradições. O Homem é um ser com virtudes e defeitos que se encontra permanentemente face a dilemas tão díspares como entre espírito e matéria, individuo e sociedade, governantes e governados, o próprio Homem e a natureza ou a liberdade de empreender e a actividade reguladora do Estado. Desta tensão resultam limites às capacidades de actuação do Homem e é por isso que é muito importante que a actuação do Estado esteja também explicitamente limitada de forma a prevenir potenciais abusos cometidos por aqueles que o dirigem. È dentro desta lógica que os conservadores moderados entendem a necessidade de uma ordem estabelecida. Uma ordem que reconheça os limites do Homem e que, dessa forma, limite também as possibilidades deste abusar de uma eventual posição dominante que o sistema político, ou outro, lhe possa conceder. Esta limitação assenta na lei mas esta nunca poderá ser usada para limitar os poderes de uns em favor de outros. Esta forma de encarar o Homem é, portanto, um sexto valor, essencialmente conservador.

Os liberais, no entanto, partilham com os socialistas/social democratas a ideia utópica e irrealista de que o Homem é um ser intrinsecamente bom e racional e por isso optam por uma concepção universalista da racionalidade em que um determinado conjunto de valores, tal como os Direitos do Homem, são aplicáveis a toda a humanidade. Este ultra-racionalismo de base utópica serve de suporte às constantes referências internacionalistas utilizadas por liberais e socialistas, sendo um exemplo concreto a defesa de um papel mais activo das Nações Unidas e a evolução para um Governo mundial. A esta utopia está intimamente associada uma tentativa evidente de imposição de valores, o que, no caso dos liberais, é uma clara contradição com a sua posição de defesa da vontade individual e de recusa do poder centralizado.

O perigo de se começarem a impor valores em nome de uma utopia representada por uma qualquer forma de organização administrativa, como é, mais uma vez, o exemplo das Nações Unidas, é que esta imposição se transforma rapidamente na tentativa de obrigar a determinadas acções e comportamentos. Daqui até à negação da vontade individual e da liberdade de actuação em qualquer sociedade de um legítimo Estado soberano vai um passo muito pequeno. È esta a experiência de todos países que apostaram numa utopia, como foram os casos dos regimes socialista, nazi e fascista. No primeiro caso foi a igualdade despótica que se impôs à liberdade. No segundo, foi uma espécie de “messianismo” despótico. Em ambos os casos, foi uma concepção centralizadora do Estado em que a definição dos valores prevalecentes era imposta de cima para baixo e a outros povos e nações. Os regimes liderados por utopias são os que, ao longo do século XX, demonstraram serem contrários à liberdade individual e à responsabilização do ser humano.

A UE à luz do Conservadorismo Liberal

Do exposto resulta uma base de análise da organização e do funcionamento da União Europeia (UE). Os seus objectivos formais, a liberdade, a democracia, a paz e o desenvolvimento económico e social são consensuais e promovidos pelas três ideologias aqui consideradas: Conservadores, liberais e socialistas. No entanto, o mesmo já não se pode dizer da prática política nas instituições da UE nem dos objectivos implícitos e do espírito que desde há alguns anos passou a imperar nas elites europeias.

Em primeiro lugar, a lei democraticamente aprovada deixou de ser um elemento central na legislação europeia. As leis são definidas e aprovadas por uma burocracia sem legitimidade democrática, no caso das políticas comuns em que os poderes foram já transferidos para o centralismo de “Bruxelas”. Ou, quando não aprovadas, são definidas pela mesma burocracia, que assim influencia decisivamente o seu conteúdo. Ao contrário do que se passa nos Estados, onde as burocracias são geridas por governantes eleitos, o funcionamento da Comissão Europeia assenta numa completa ausência de legitimidade. O Parlamento Europeu, com alguma legitimidade democrática, tem uma capacidade de intervenção muito limitada.

Em segundo, e não estando em causa, formalmente, a independência do poder judiciário face ao poder político, tem-se assistido a uma constante tomada de posições pelo Tribunal de Justiça da UE contrárias à autonomia dos povos e países, e que vão no sentido da tendência centralizadora exibida pelas restantes instâncias europeias. Ou seja, a jurisprudência europeia decide sistematicamente, e quase exclusivamente com base no argumento da construção do mercado único, na direcção de uma maior concentração de poderes em “Bruxelas” sem que esteja explicitamente estabelecida, em qualquer dos tratados constitutivos da UE, uma vontade comum de se caminhar para um Estado europeu ou qualquer forma equivalente de organização centralizada. Em suma, o predomínio da burocracia, administrativa e judicial, em prejuízo da legitimidade democrática e conducente à centralização e acumulação do poder é claramente uma característica dos regimes e da ideologia socialista, e contrários ao conservadorismo moderado e ao liberalismo.

Em terceiro lugar, a ideia de um Estado limitado também não vingou no caso da UE. A transferência de responsabilidades para as instâncias europeias nunca teve correspondência na diminuição da estrutura pública nos países membros. Pelo contrário, continua a assistir-se a um aumento da presença do Estado a todos os níveis da sociedade. Esta presença, em vez de essencialmente limitada a dois níveis (ou a três, no caso dos países com entidades intermédias democraticamente eleitas), nacional e local, foi aumentada com um nível supra-nacional. Para além disso, não é evidente o funcionamento de mecanismos limitadores do crescimento do Estado, como as ideologias conservadora e liberal defendem. O mercado, instituição que por natureza tem esta função, é usado como justificação para a propagação de leis e como instrumento ao serviço da centralização de poderes. Os mecanismos formais que existem, como o princípio da subsidiariedade, não funcionam na prática e apenas servem para serem relembrados, numa hipócrita demonstração de que “existem”, por parte dos que apoiam o centralismo europeu e ignoram a sua aplicação. Senão como explicar que a lei europeia abranja assuntos tão pormenorizados como a proibição de levar comida para quartos de hotel?

Do mesmo modo, e em quarto lugar, a distinção clara entre sociedade e Estado é desfeita quando as instâncias da UE, especialmente a Comissão Europeia, utilizam fundos públicos para promover organizações da sociedade civil criadas propositadamente para defender as utopias dos dirigentes europeus. Ou quando promovem supostos debates de ideias em que não é permitida a participação de qualquer oposição a uma UE centralizada. Ou quando patrocinam publicações, supostamente livres e independentes, para defender uma “Europa cada vez mais unida”. Ou ainda quando pagam programas de televisão e de rádio, como os que actualmente são transmitidos por toda a Europa, para promover a ideia europeia. Todos estes procedimentos, assim como o contínuo crescimento das estruturas do Estado, são característicos de uma visão socialista do Estado: Crescentemente dominador e manipulador dos órgãos de comunicação social.

Em quinto lugar, as instâncias comunitárias funcionam no âmbito de um consenso artificial e centralizado, em que dois grupos, socialista e popular, ocupam todos os cargos relevantes e distribuem entre si o grosso dos dinheiros públicos que têm à sua disposição e que provêm das leis por eles próprios aprovadas. No Parlamento Europeu respira-se uma atmosfera opressora em que os que não alinham no “consenso” são positivamente marginalizados nas comissões de especialidade e em outros fóruns. Na Comissão Europeia sobrepõe-se a voz da propaganda à livre argumentação, como o demonstra a campanha organizada pela Comissária Wallstrom e pelo Presidente Durão Barroso. Apenas no Conselho, onde os países estão representados, existe verdadeiramente discussão. Este duopolio podre encena constantemente a existência de uma oposição ao centralismo europeu, em que socialistas e democratas-cristãos vão alternando de função. Mas a real oposição, pressuposto base de qualquer regime democrático, tem uma capacidade de actuação muito limitada dentro da UE.

Em conclusão, os valores essenciais do Conservadorismo Liberal foram completamente menosprezados e estão ausentes do funcionamento das instituições da UE. Mas mais grave ainda, todo o projecto de integração europeia se está a transformar num ideal socialista. Os objectivos formais da UE, já parcialmente alcançados, deram lugar a uma utopia ultra-racionalista em que a “Europa” visa adoptar, com uma voz única onde as dissonâncias são afastadas, uma postura internacionalista e se pretende afirmar como a superior “razão do Universo”. Neste âmbito, o mercado, por via da “construção” do Mercado Único, foi dogmatizado e transformado numa ferramenta desta utopia. Esta nova forma de império assenta na necessidade de um governo “europeu”, desrespeitando a legítima soberania nacional, e nos seus objectivos implícitos, definidos centralizadamente e pouco precisos, e por isso impossíveis de controlar por povos e cidadãos. O que passa para o público é um conjunto de clichés, onde palavras como solidariedade, direitos, humanismo e união são constantemente usadas e abusadas.

Esta UE representa a recusa completa dos valores conservadores. O conservadorismo não é a luta contra a mudança, como alguma propaganda mal intencionada divulga, mas sim uma mudança limitada pela necessidade e pela vantagem em ser concretizada. Neste sentido, o conservadorismo é contra a mudança pela mudança, a mudança não fundamentada, defendida pelos chamados “progressistas”. O conservadorismo é sim, uma espécie de “princípio da subsidiariedade” em que a mudança tem de ser justificada. As elites que actualmente conduzem a Europa para um Estado único tentam evitar qualquer tipo de justificação. Os referendos em França e Holanda foram um acidente de percurso que aconteceu de uma forma imprevista para estas elites. Por tudo isto, ser conservador, e ser liberal, tornou-se incompatível com ser “europeu”.
Ricardo Pinheiro Alves

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