27 novembro 2006

A Descontaminação

… Daí que uma nova Constituição seja um pressuposto de um novo sistema de governo, verdadeiramente alternativo àquele que PS, PSD e CDS têm gerido sem um lamento durante os últimos anos…

Se há debate político contaminado é o que periodicamente eclode sobre a direita e a esquerda. Contaminado por muitos factores, dos quais o oportunismo eleitoral e as aparências de imagem contraditórias com as acções concretas, não são certamente das menores.

A primeira tentação a evitar para uma discussão séria é a de cairmos no pitoresco. Quando entrei na Universidade Católica em 1978, tempos bem mais agrestes de debate ideológico, tive Ciência Política logo no ano zero, que então era equivalente ao ano propedêutico criado pela esquerda para empatar a afluência ao ensino superior durante um ano.

O meu professor foi Francisco Lucas Pires. E recordo-me de lhe ouvir explicações simples, para perceber as diferenças entre direita e esquerda. Uma das que me ficou no ouvido foi a de que a gravata era de direita e as barbas crescidas eram de esquerda. Ele próprio de barbas, era o desmentido em pessoa da classificação. Eu, que nunca gostei por aí além de andar engravatado, antes pelo contrário, e que me considerava de direita fiquei preocupado. Já quanto às barbas e com a notória excepção do professor, me pareceu na altura adequada a classificação, pois os barbudos pareciam de facto estarem todos acantonados nos partidos da esquerda, coisa que hoje já não sucede.

É certo que os símbolos desempenham um papel fundamental na identificação e na agregação das tribos, mas é certamente superficial reduzir as ideias aos objectos que as pessoas que as professam escolhem como factor de diferenciação.

Outro factor contaminador e este bem mais nocivo é o oportunismo eleitoral. Há quem goste de cultivar uma simbologia de direita sendo na prática mais de esquerda que muitos socialistas assumidos. O exemplo paradigmático é Cavaco Silva. Quando candidato, tem o reconhecimento eleitoral da direita, quando eleito tem uma prática de esquerda. No Governo foi quem aumentou desmesuradamente a despesa pública, a carga fiscal, e a percentagem de rendimento afecto ao funcionamento do tal monstro, que posteriormente veio a criticar com o sucesso que se sabe. Outro exemplo paradigmático em curso é o de José Sócrates, aliás, formado politicamente na JSD, em sentido simétrico. Rodeado de símbolos de esquerda, parece cortar na despesa e parece tomar medidas que mais facilmente veríamos o PSD e o CDS a tomar, mas que, quando Governo, há bem pouco tempo, não tomaram. O que faz parecer Sócrates de direita é o estilo e não os princípios, as ideias ou as políticas. Enquanto o PS da velha esquerda gosta de passar o tempo a discutir a salvação do mundo, Sócrates gosta de criar a sensação de que está a salvá-lo.

O estado do Estado é tão esquerdoso, tão ancestralmente socialista, tão intrinsecamente despesista, que bastam uns cortes simbólicos nas rubricas orçamentais, uns quantos funcionários públicos em luta e uma greve de professores que deixam d éter a garantia legal que um dia serão todos directores-gerais, para o actual líder do PS parecer de direita e pôr CDS e PSD, a direita geométrica, aflitos, parados, sem reacção e sem discurso.

O problema é que, embora com a aparência contrária, a essência do sistema de governo de esquerda está lá e permanece intocado. Por imposição do pacto de estabilidade de Bruxelas que aplica multas aos alunos comunitários mal comportados, o Governo socialista corta na quantidade, mas não mexe na qualidade.

Na educação, na saúde, na segurança social, no modo de distribuição da riqueza, na concepção fundamental dos serviços públicos de justiça, na dimensão da administração pública, nas regras e na filosofia fundamentais do sistema fiscal, o PS não toca. E em rigor, não pode tocar, porque a Constituição não deixa. Daí que uma nova Constituição seja um pressuposto de um novo sistema de governo, verdadeiramente alternativo àquele que PS, PSD e CDS têm gerido sem um lamento durante os últimos anos.

Este é o factor diferenciador da direita conservadora e liberal face aos partidos do sistema. Nós, na NovaDemocracia, não nos queixamos que Sócrates nos tira o discurso, porque nós somos de direita e não pensamos o mesmo que Sócrates. O PSD e o CDS, queixam-se, por que neste momento apenas querem ser uma variante das aparências simbólicas e não uma verdadeira alternativa.
Jorge Ferreira
In Nova Vaga, nº 6

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