27 novembro 2006

O Direito Pela Direita

… A diferença radical, no domínio dos princípios e valores, entre a Direita e a Esquerda deve procurar-se no modo como se colocam ante o Homem, a evolução dos seus comportamentos, e como caminham para o progresso …

Propõem-me que discorra sobre o que é a “Direita”. Não enjeito o encargo, embora considere que ao debater questões ideológicas é inevitável a tentação de relevar menos a intenção de fazer história do que o propósito de ordenar o futuro. Julgo, aliás, necessário iniciar a análise com duas prevenções sem as quais decerto pecaria a inteligibilidade do discurso sequente. A primeira é a de que, sem prejuízo de ter tido sempre intervenção política e de me não furtar a preencher os espaços para onde me convidam, nunca me considerei um político, abomino quase toda a política que se faz, e nunca, seguindo a exortação de Cícero, que pude ler no original pelos meus 17 anos, antepus à consideração ou à amizade pessoal qualquer propósito de afirmação ideológica ou política.

Reconheço-me, pois, profundas limitações. Revejo-me, aliás, na conhecida constatação de Joseph Kessel no discurso de recepção na Academia Francesa: em política não se pode ser nem cortez na polémica nem sereno na revolta. Como eu procuro ser uma coisa e outra e - pior - como me orgulho disso, aceito que não sou, decerto, um político. A segunda prevenção é a de que tenho por certo que não é possível empreender qualquer discussão útil sobre o que quer que seja sem que previamente aceitemos um certo significado das palavras. Esta própria comunicação não poderá compreender-se, nos seus métodos e pressupostos, se não for claramente enquadrada, decerto com alguma carga pessoal, mas sempre com o mínimo de paixão e o máximo de rigor, numa explicação do que, do ponto de vista do seu autor, é a “Direita” e por isso do que é a “Esquerda”, sabendo que ambas se reclamam as virtudes e rejeitam defeitos, que uma e outra, entretanto, consideram características ­distintivas da sua oposta.

Se é legítimo julgar a natureza pelos frutos e não pelas árvores, suponho que devemos fazer um sério exame de consciência em torno de como concebemos a oposição indivíduo/estado, indivíduo/nação, nação/estado. A opção nas prevalências dirá se estamos à esquerda ou à direita. Bem se sabe que a origem dessas expressões - “Direita” e “Esquerda” ­remonta ao longínquo ano de 1789, quando os deputados da assembleia constituinte francesa partidários da autoridade real e dos privilégios da nobreza se sentaram do lado direito de hemiciclo, enquanto os partidários das liberdades se sentaram do lado esquerdo. Mas logo aí se instalou a polémica pois não era pacífico explicar a razão dessa banalidade: enquanto os deputados da ala direita se reivindicavam a iniciativa e o direito de se terem sentado naquele lugar - que os áugures ­recomendavam - e que o faziam por terem obrigado os adversários a acantonarem-se à esquerda, esta, lembrando, então como agora e sempre excessivamente, que o seu lugar era onde ficava o coração do povo, pretendia que fora a Esquerda, pelo contrário, a escolher de caso pensado aquele lado e a empurrar os adversários para o outro, pouco se importando que os sacerdotes do templo, interpretando os presságios, prognosticassem qualquer desgraça.

A Direita e a Esquerda constituíram-se, assim, em redutos oposto mas só aparentemente por causa da geografia da sala: de um lado, a autoridade, a tradição, a ordem, a permanência; do outro, em contraponto, a afirmação, divergente daquelas, da defesa das liberdades públicas e das igualdades. O que se seguiu até aos nossos dias foi uma progressiva e contínua aproximação, umas vezes teórica apenas, outras levada à prática, dos objectivos de um outro e outro dos lados: a Direita, procurando sacudir o anátema de adversária das liberdades, e a Esquerda, apesar da “ditadura do proletariado” e de acostagens ao princípio da autoridade, reivindicando a primazia na luta pela defesa dos direitos liberdades e garantias fundamentais.
A diferença radical, no domínio dos princípios e valores, entre a Direita e a Esquerda deve procurar-se no modo como se colocam ante o Homem, a evolução dos seus comportamentos, e como caminham para o progresso: enquanto a Direita crê na existência de uma “ordem natural” que disciplina a sociedade e cujas leias devem permanentemente pesquisar-se, segundo as regras do que se chamou o “empirismo organizador”, a Esquerda, pelo contrário, acentua sempre - negando a existência dessas leis e muito mais a sua imutabilidade - a força da vontade humana, a primazia desta sobre a ­realidade, o papel da imaginação criadora, em suma, um conjunto de preceitos arrumados sob a denominação de “voluntarismo democrático”, oposto àquele.

Não parece necessário precisar mais as coisas; o que ficou dito, sendo pouco, procurou tão somente enquadrar a questão, numa perspectiva basilar que não fosse dogmaticamente rejeitável por qualquer dos lados, sem querelas de maior. Seria interessante discernir numa perspectiva mais aprofundada, outras particularidades e estudá-las, sobretudo nos nossos dias, designadamente analisar como algumas “direitas” e “esquerdas” se construíram a partir das iniciais formas puras e como daí foram evoluindo. Vale a pena equacionar três ou quatro questões que são causa de algumas angústias e decerto de muitas paixões: haverá uma só Direita e uma só Esquerda, ou há várias Direitas e várias Esquerdas? Há Direitas e Esquerdas que se vão movendo no cenário político de um para outro lado, mudando de posições relativas, como modo de assegurar a eficácia prática das suas propostas ou não passam de falsos mutantes que não abandonam nunca os seus conceitos, apenas os adaptam?

Por outras palavras: Os monstros que a Direita e a Esquerda geram são-no por via da necessária desenvolução do ideal de onde partiram, ou não passam de aberrações da natureza que a ideologia repudia, são um tipo do género, que partilha o património ideológico de uma e outra ou são outra coisa, um tertium genus, que fica de fora delas? À Direita e à Esquerda, contudo, ninguém aceita, contudo, acolher-se ao guarda chuva de uma definição estática do seu enquadramento ideológico: somos da Direita ou da Esquerda, somos o que somos não porque somos, mas porque procuramos ser, e essa procura é contínua, constitui um “perpetuum mobile”.
Tenho para mim que o homem de direita em Portugal, e com esse arquétipo me identifico - conjugando a síntese de António Barreto com o pensamento de Jorge Braga de Macedo, José Adelino Maltez e Mendo Castro Henriques - se empenha em ir construindo uma cada vez mais perfeita e justa articulação das liberdades atribuíveis a cada cidadão com as “pertenças históricas”: a nacionalidade, a cultura, a Europa, o “abraço armilar” da Lusofonia ao Império, que são os valores que subjazem à “ordem natural” que inspira a nação portuguesa.
In Nova Vaga, nº 6
Luíos Teixeira e Melo

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